Fórum Mistério Juvenil Forum Index Fórum Mistério Juvenil
Grupo dos amigos do Mistério Juvenil
 
 FAQFAQ   SearchSearch   MemberlistMemberlist   UsergroupsUsergroups   RegisterRegister 
 ProfileProfile   Log in to check your private messagesLog in to check your private messages   Log inLog in 

Filmes que estão a ver ou recentemente vistos
Goto page Previous  1, 2, 3 ... 12, 13, 14, 15  Next
 
Post new topic   Reply to topic    Fórum Mistério Juvenil Forum Index -> O CINEMA E O CINEMA PORTUGUÊS
View previous topic :: View next topic  
Author Message
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Fri Mar 21, 2014 1:09 pm    Post subject: Reply with quote



Com as crises que desiludem muita gente (quer sejam emocionais, económicas, ou de outra índole qualquer), haverá mais hipóteses de aumentar a tendência para o suicídio. E esta loja poderá ajudar todos aqueles que procuram acabar com a sua própria vida segundo os seus desejos mais diversificados: desde venenos a harakiri, passando ainda por revólveres e os "clássicos" enforcamentos, há de tudo na casa muito visitada e prestigiada dos Tuvache, o estabelecimento mais requisitado no mercado suicidário. E sim, por tudo isto, «A Loja dos Suicídios» poderia parecer uma animação depressiva e repugnante para a maioria do público português, que ainda acha que todo o filme animado é dirigido só e exclusivamente à criançada... mas que se engane quem ainda quer pensar que a bonecada é apenas para miúdos. Patrice Leconte realiza, na sua primeira investida no Cinema de animação, uma comédia muito, mas muito negra, e não menos musical, que é relevante para as dificuldades que temos Hoje de enfrentar, a que ninguém pode mesmo ficar indiferente. Se por um lado os exageros humorísticos da narrativa servem para criar um estilo próprio e que em muito deve às ideias de Tim Burton, por outro, é notória a intenção de se confrontar o espectador com a triste realidade, onde não prevalecem cantigas nem ironias em desenho animado. Uma loja como esta pode não existir no "nosso mundo", mas se retirarmos a camada de (bonito) floreado e ficção da trama, conseguimos perceber que os risos que esta estranha família e o bizarro negócio do qual fazem o seu quotidiano não tem tanto de non-sense como nos parece...

Uma animação muito divertida, sádica e inteligente, que brinca com a morte e todos os clichés a ela associados, «A Loja dos Suicídios» pretende apenas que o mundo seja um sítio melhor para viver, livre de depressões e das tais tentativas de suicídio. Pode parecer uma mensagem simples, mas não deixa de ser essencial na atualidade, mesmo que os filmes não consigam "mudar" o mundo. Pode ter algumas ideias previsíveis (sim, o final será exatamente aquilo que o espectador estará a prever a partir do momento em que a família Tuvache ganha um novo membro, o filho sorridente e bem-disposto que é, por isso, o "martírio" para o negócio), mas não deixa de ser uma delícia animada, e mais uma peça de resistência contra a aparente ditadura do 3D na arte dos desenhos animados (há algum aqui, mas são as duas dimensões que dominam o filme). Com uma panóplia de personagens hilariantes e um sentido de humor extraordinário, provocador e invulgar, «A Loja dos Suicídios» passou mais ou menos despercebido por Portugal e parece ter sido mal compreendido um pouco por esse mundo fora - em parte porque um conceito destes é difícil de explorar e de ser aceite pelas massas que frequentemente (ainda) vão ao Cinema, e ainda porque se trata de um filme de animação... francês, fora dos ditames americanos que fazem as delícias repetitivas dos espectadores. Esta não é uma obra para crianças, mas para os Pais se divertirem e, mais importante ainda, para pensarem no que estão a ver, rindo dos variadíssimos e obscuros "gags" da fita e apercebendo-se sempre que, no meio das grandes gargalhadas, existe um pano de fundo cruel, frio e realista que inspirou a criação desses formidáveis momentos de humor. Uma comédia assombrosa e uma pequena pérola deliciosa.

* * * *

O filme está disponível com legendas no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=AtCaulNPKro
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Thu Mar 27, 2014 2:06 pm    Post subject: Reply with quote



Quote:
Mãe e Filho: os acontecimentos inesperados e o conflito de gerações

Vencedor do Urso de Ouro na 63ª edição do Festival de Cinema de Berlim, Mãe e Filho é o exemplo da vitalidade e versatilidade que caracterizam o Cinema romeno, e da forma como os temas humanos clássicos podem ainda adquirir um novo fôlego no grande ecrã.

Cornelia (Luminita Gheorghiu) é uma sexagenária infeliz que tem um filho, Barbu (Bogdan Dumitrache), de 34 anos. Ele luta para ganhar a sua independência, e evita o contacto com a mãe tanto quanto possível. Contudo, quando Cornelia descobre que ele esteve envolvido num trágico acidente de automóvel, o afastamento do filho é esquecido e a mãe fará tudo para o salvar da condenação. Mas será que Cornelia conseguirá perceber que está na altura de libertar o filho da sua dependência?

Mãe e Filho é por isto mesmo um drama sobre a relação tensa e provocatória entre estas duas personagens, e uma história de famílias, paradoxos e desencantos em relação à vida e às expectativas que os pais criam dos seus filhos… e vice-versa. Não estamos perante um filme cheio de suspense e reviravoltas surpreendentes – este é o retrato mais simples e puro das angústias humanas, que não se deixa enganar pela própria arte cinematográfica, visto que aqui vemos um duro registo realista de acontecimentos infelizmente banais e fáceis de serem identificadas com o nosso dia a dia.

O filme realizado por Calin Peter Netzer não pretende ser mais do que uma exposição de realidades humanas, e dos pontos de colisão e (pouca) união entre duas pessoas cujos laços nunca poderão ser quebrados, apesar do afastamento físico. E dentro destas humildes intenções, Mãe e Filho sai vencedor por saber explorá-las extremamente bem, recriando a frieza da delicada problemática abordada através do talento dos atores e pelo argumento certeiro e concreto.

Este não é um filme que quer ir mais além das suas capacidades, nem há a intenção de ilustrar algo novo ou pouco visto no Cinema. Mas a Arte, tal como a vida, é feita das suas repetições, que acabam sempre por funcionar quando se sabe dar a volta ao que o espectador já conhece. E dentro da sua história repleta de elementos usados e abusados nas narrativas cinematográficas, Mãe e Filho destaca-se por não ser apenas mais uma simples fita pouco criativa, já que as relações humanas são aprofundadas com o auxílio das emoções mais tristes e bonitas, tão bem captadas pelo elenco.

Há apenas uma única coisa que danifica Mãe e Filho e as suas pequenas e tão características simplicidades: o trabalho de câmara. Irritantemente documental, inconsistente e descontrolada, a condução das imagens prejudica em parte o ambiente que a história pedia e que a abordagem tentou a todo o custo concretizar, criando uma certa monotonia que, ironicamente, fica associada aos movimentos excessivo da forma de filmar.

Não é preciso ter medo dos planos fixos, pois estes não fazem mal a ninguém, e ainda há por este mundo muitas alminhas que não procuram filmes apressados e com montagens aceleradas, desejando encontrar, no encanto da sala escura, um espaço livre para contemplarem o ecrã e reflectirem o poder das fitas tal como elas devem ser apreciadas. Pode não ser um mal fulcral do filme, mas dá a sensação que, com uma câmara mais calma e “quieta”, tudo o resto poderia ter saído um pouco mais valorizado.

Mãe e Filho é uma obra de causas nobres, que não se fica apenas por retratar as discussões constantes entre as duas personagens, e as dúvidas que todos têm uns dos outros. Há aqui uma análise social e psicológica que tem de ser vista e compreendida, e que passa pelas razões da Mãe em proteger tanto o filho: por vezes sentimos que é o instinto maternal e familiar que está a atuar, mas noutras ocasiões, entendemos aquela atitude como algo manipulatório e interesseiro, atribuindo à Mãe uma faceta frágil e perturbante, não deixando Barbu ganhar totalmente a sua independência.

Talvez tenha sido este lado mais fascinante a justificar tanta aclamação e premiação, porque são poucos os retratos do Cinema contemporâneo que pegam nos pequenos nadas da existência humana e que, ao mesmo tempo, conseguem ser tão relevantes e complexos. E não precisamos de nenhum plot-twist ou de um final que dê a volta à cabeça do espectador: a mais pura e dura realidade faz todo esse trabalho mental.

Apesar de constituir uma das vagas cinematográficas mais versáteis da modernidade, são raras as fornadas de estreias que trazem para o público português alguns títulos feitos na Roménia. Mas felizmente, ainda conseguimos descobrir algo como Mãe e Filho, poderosa revelação da deterioração das relações familiares no caos tecnológico e imoral do nosso tempo. Temos em mãos um drama “caseiro” com toques cautelosos de thriller, que suscita várias outras questões delicadas (e, por isso, não só ficamos pelo debate gerado pelo trágico acidente, que conduzirá a um destino completamente fatal e ainda mais negro ao contacto entre os dois protagonistas), que segue vários caminhos e nos faz ficar perdidos na imensidão de opiniões e de interesses que ficam em jogo.

Um filme forte e uma história de vidas separadas que só se reencontraram por causa de uma tragédia, Mãe e Filho consegue embarcar ainda uma análise soberba à ruína dos laços familiares (que nunca desaparecem, apesar de tudo e para o bem e para o mal) e às maneiras que cada um utiliza para suportar ou contornar essa decadência. Pode não ser uma das obras mais brilhantes do ano, mas é sem dúvida uma das mais reveladoras, por mostrar o que é ser-se um membro de uma comunidade, de uma família em particular… e da Humanidade.

7.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/03/27/mae-e-filho-os-acontecimentos-inesperados-e-o-conflito-de-geracoes/
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Thu Apr 17, 2014 10:36 pm    Post subject: Reply with quote



Quote:
O Que a Maisie Sabe: um drama televisivo com pouco para dizer

Um filme com um espírito interessante, mas que acaba por ser mais um exemplo enfadonho da repetição exaustiva de uma fórmula recorrente dos dramas modernos de Hollywood: O Que a Maisie Sabe chega esta semana às nossas salas.

Esta é uma adaptação contemporânea do romance homónimo de Henry James, em que vemos um divórcio desenrolar-se e os pais Susanna (Julianne Moore) e Beale (Steve Coogan) a afastarem-se mais da sua filha de seis anos, Maisie (Onata Aprile), através da qual percecionamos o drama mundano que se gira naquele pequeno núcleo familiar. E enquanto os pais se distanciam, Maisie começa a ficar dependente dos novos companheiros de ambos: Lincoln (Alexander Skarsgård), o namorado da mãe, e Margo (Joanna Vanderham), a antiga ama que se tornou a mulher de Beale.

É o típico drama familiar à americana que, tal como milhentos outros exemplos dos últimos anos, tenta seguir o rasto emocional e trágico de Kramer Contra Kramer, distorcendo apenas os contornos originais da narrativa - mas sem conseguir afastar-se com sucesso do original. Aqui dá-se mais importância aos padrastos e à visão da criança em relação aos acontecimentos tristes que se sucedem e a dividem em relação aos pais.

Contudo, depressa se caem em facilitismos: se Onata Aprile é uma ótima escolha para o papel (destacando-se muito pela positiva em todas as cenas que não envolvem choro, gritinhos histéricos e outras conveniências lacrimejantes), infelizmente ela não servirá para mais do que, pura e simplesmente, atribuir uma carga emocional forçada que poderá fazer as delícias de quem gosta deste tipo de mecanismos dramáticos estereotipados e usados até à exaustão.

Portanto, isto constitui, de facto, uma reviravolta que destrói as intenções iniciais: se começava a ser interessante, e até refrescante, olhar o divórcio mais pelos olhos da miúda (uma visão diferente da do olhar adulto, já que ela consegue apanhar mais coisas do que os crescidos possam pensar), ela acaba por ser posta de lado, em parte, para seguir os caminhos mais cansativos, vulgares e óbvios que este género de histórias costumam seguir.

Mesmo que exista um reflexo das novas relações parentais do século XXI (com todas as intrigas criadas por Susanna e Beale para se destruírem mutuamente), da construção relevante da decadência do ex-casal e da crescente deterioração da relação entre pais e filhos, O Que a Maisie Sabe não consegue ser mais do que um drama técnico e mecânico, cuja escassa beleza própria advém das soberbas performances. Steve Coogan, por exemplo, volta a surpreender como ator dramático, e Julianne Moore mostra continuar a ter a garra que sempre a caracterizou.

Poderia ser um objeto mais aconselhável e melhor estruturado nas suas formas básicas, para se conseguir sobressair mais, com a sua história simples e que possui uma humanidade avassaladora. Mas lá está: O Que a Maisie Sabe condena-se a si própria por causa da demasiada previsibilidade da narrativa (sim, tudo irá acabar como os espectadores já estão a prever desde os primeiros três quartos de hora de filme), da onda insuportável de clichés e elementos excessivamente felizes e descontextualizados que começam a surgir em determinado ponto da história (totalmente made in Hollywood), e da condensação demasiado televisiva e nada cinematográfica que se dá ao ambiente e ao desenrolar da ação.

Para se fazer um drama moderno e credível não basta só meia dúzia de bons atores com carinhas larocas, e a menção estampada nos créditos iniciais, com grande pompa, que estamos perante um filme que tem um romance conceituado como base narrativa. Nada disso desculpa O Que a Maisie Sabe de ser um telefilme demasiado longo e por vezes monótono.

Sendo uma variação dos clássicos americanos familiares e uma visão ilusoriamente cinematográfica de um célebre romance adaptado à modernidade (em que as famílias estão até mais deterioradas do que Henry James poderia alguma vez prever), o que safa o filme é que se consegue vê-lo com prazer, a apreciar o pouco que tem de interesse no seu conteúdo.

Mas talvez esta obra seja pretexto para se voltar ao clássico protagonizado por Dustin Hoffman e Merryl Streep, e cujas características o tornaram tão especial para os anos setenta, e para a visão do Cinema das relações humanas e familiares: as “fofices” não são forçadas, nem os happy endings surgem do nada, nem há espaço para epílogos desnecessários e que só servem para encher chouriços, criados com o objetivo de não se deixar nenhuma ponta solta que possa “incomodar” o espectador que não deseje pensar no que está a ver. Pode não ser um filme perfeito, e com o tempo algum do seu impacto perdeu-se… mas não há dúvida que tem muito mais engenho, emocional e construtivo, a lidar com a delicadeza do divórcio e das suas consequências para os membros da família.

Se todos os planos são previsíveis (o que nos faz questionar constantemente: para que é que foram precisas duas pessoas para realizar isto, se no final o produto saiu sem qualquer imaginação ou interesse nesse aspeto?), O Que a Maisie Sabe é uma aposta ótima para sábado ou domingo à tarde na programação dos canais televisivos generalistas. Mas ao possuir um leque de notáveis interpretações, e algumas cenas mais bem escritas do que outras, que refletem da melhor maneira as perturbações sentimentais da menina em relação ao “desaparecimento” dos pais, consegue sair mais valorizado entre os filmes mais comuns e banais que abordam estas questões sociais.

É por isso, uma obra que representa a secção de maior “qualidade”, entre a variedade de títulos que costumam passar ao fim de semana nas referidas estações. Mas vê-lo na sala escura será completamente indiferente, porque o formato assenta muitíssimo melhor dentro da massificação de certos conteúdos televisivos.

6.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/04/17/o-que-a-maisie-sabe-um-drama-televisivo-com-pouco-para-dizer/
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Thu Apr 17, 2014 10:54 pm    Post subject: Reply with quote



Quote:
A Dois Passos do Estrelato: as outras vozes do mundo da música

O vencedor do Oscar da Academia para Melhor Documentário deste ano é uma apaixonante viagem ao mundo da música, partindo à descoberta das grandes vozes que estiveram envolvidas em muitas canções inesquecíveis… mas que, infelizmente, nunca receberam a fama que mereciam. Estreia esta semana em Portugal.

São histórias de vidas que se dedicaram à música e que têm no ato de cantar a sua maior paixão. Mas em vez de se focar nos protagonistas que adquiriram fama e glória no mundo da música, A Dois Passos do Estrelato centra-se nas mulheres que fizeram História na arte dos back vocals, as vozes de apoio que deixaram a sua marca em várias gravações incontornáveis e que fazem, em muitos casos, os momentos mais memoráveis das canções que interpretaram. É uma parte sempre desprezada e ignorada do trabalho musical, e este documentário, realizado por Morgan Neville, pretende reavivar o talento destas poderosas artistas, imprescindíveis para vários dos músicos conceituados que são entrevistados ao longo de quase hora e meia de filme (onde encontramos Bruce Springsteen, Stevie Wonder, David Bowie, Mick Jagger, entre outros), e que prestam homenagem às cantoras injustamente desconhecidas do grande público, ou pelo menos, inferiorizadas.

Através deste olhar para as personagens “secundárias” da música, e para as histórias que contam na primeira pessoa, conseguimos entender melhor a grande importância que elas têm para o impacto das bandas e dos concertos na opinião pública e na forma de se ouvir e compreender esta forma de arte, pelos críticos, pelo público e pelas próprias pessoas que fazem da música a sua profissão.

Grande parte da beleza de A Dois Passos do Estrelado reside nas lindíssimas vozes das lendárias cantoras de apoio, que contam pormenores curiosos sobre o percurso das suas carreiras, os dramas vividos nas sucessivas tentativas de procurar e alcançar a fama, e todas as razões que as levaram a gostar de cantar. O filme é o testemunho de uma cultura, de um modo de vida afro-americano, muito marcado pela importância das igrejas durante os primeiros anos de vida destas artistas, que cultivam o canto nos seus modos de evangelização, e que fazem dos coros gospel a sua imagem de marca – e que é um estilo de música ao qual ninguém pode ficar indiferente, independentemente das crenças e ideias de cada um.

Mudaram a História da música, com a sua vivacidade física e vocal, improvisando sempre com garra e inspiração e dando uma nova cor e magia ao trabalho dos personagens “principais”, que ficaram fascinados com estes talentos e entenderam o poder dos back vocals para os seus concertos. Springsteen já não consegue passar sem elas (veja-se a fabulosa cena de um concerto do autor de Darkness in the Edge of Town que encerra o filme, em que o vemos em “dueto” com uma das suas cantoras). Mas por outro lado, acompanhamos as tentativas falhadas de algumas cantoras em lançarem-se a solo… muitos anos depois de já estarem estabelecidas como artistas de apoio. São lições de vida que, por mais que sejam exaustivamente retratadas, nunca deixam de ser essenciais.

Se o documentário merecia o Oscar, aí estaríamos a entrar numa zona de debate perigosa, que pode colocar em risco a liberdade de escolha (muitas vezes pouco livre, admita-se) da Academia. Mas a escolha é justificada: percebe-se, ao ver A Dois Passos do Estrelato, o que encantou os membros que decidem quem leva para casa os tão cobiçados prémios do Cinema. Pode não ter a profundidade moral e psicológica de O Ato de Matar (que por sinal, também estreia esta semana), e possui uma atmosfera muito mais acolhedora e simpática, mais amiga do ideal muitas vezes maioritariamente aceite na Academia.

Mas o que tem o filme de especial para estar nomeado para tanto prémio? É que, além de proporcionar notáveis momentos musicais, Morgan Neville traça, com a evolução das estrelas deste documentário, e da queda de muitas delas, um paralelo com a evolução da mentalidade americana, condizente com as alterações sociais e políticas que se sentiram no país com o alvoroço das décadas de 60 e de 70. Há muito para saber, com as experiências de vida de mulheres como Darlene Wright (ou Darlene Love, como é conhecida pelo seu nome artístico), autênticas forças da natureza que levam, na bagagem da memória, os acontecimentos e oportunidades que as tornaram as “aquisições” preferidas desses músicos famosos, ansiosos por meter uma musicalidade mais profunda e potente às suas melodias.

Apesar de pouco ou nada encontrarmos aqui de cinematográfico, tem de ser elogiada a junção destes enormes talentos que, espera o realizador e suas entrevistadas, levarão os espectadores a partirem em busca do lado desconhecido da música que sempre quiseram deixar de parte. E partindo do passado e de exemplos musicais “orelhudos” que todos nós conhecemos (não será a parte de back vocals de Walk on the Wild Side, de Lou Reed, tema que abre o filme, o momento que mais pessoas se recordam?), Neville reúne velhas amigas e colegas de trabalho, que contam os dramas, as comédias e os paradoxos das suas carreiras artísticas, num misto de reality show e de reportagem televisiva que, é certo, não deixa de captar o espectador, que se apercebe da complexidade que faz o establishment do negócio da música.

A Dois Passos do Estrelato vive mesmo destas artistas, e da voz maravilhosa que têm para mostrar ao mundo (e nunca perdem uma oportunidade para tal – ainda bem, porque só se fica a ganhar, especialmente ao nível espiritual). As suas ambições, medos e felicidades são outra componente fundamental para captar o espectador através de uma perspetiva mais emocional – e não há nenhum mal nisso. Não precisa de ser o melhor documentário do mundo, bastando a sua aura muito própria e única que o consegue distinguir dos demais exemplos que seguem as mesmas (e já batidas) regras formais, com nada de Cinema e muito de televisão. E sai ainda mais valorizado porque dá voz a quem já merecia ser ouvido há muito tempo. Um filme que é um autêntico desfile de estrelas – e não são apenas as mais ”famosas” que fazem parte desse estrelato.

7.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/04/17/a-dois-passos-do-estrelato-as-outras-vozes-do-mundo-da-musica/
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Sat Apr 19, 2014 12:00 pm    Post subject: Reply with quote



Quote:
Jovem e Bela: os conflitos e contradições da adolescência

O mais recente filme de François Ozon é um drama familiar que explora, com riqueza e sabedoria, alguns dos problemas mais fundamentais que põem em causa a normal relação entre pais e filhos, e com o mundo que os rodeia. Passou por Cannes e outros festivais, e agora chega ao circuito comercial português.

São precisas quatro estações e quatro (belíssimas) canções para nos ser contada a história dos desejos, motivações e atividades obscuras de Isabelle (Marine Vacth), uma rapariga sedutora com 17 anos que se prostitui, sem ter alguma justificação de cariz económico para tal. É uma personagem curiosa, com intenções particulares. Não é pelo dinheiro que ela se atira a este mundo, mas pelo prazer que lhe dá descobrir a sua sexualidade e entrar no jogo de sedução que tanto agrada aos seus clientes mais habituais.

Agora, é preciso ter calma com as ideias erradas que se possam ter sobre Jovem e Bela. Não podemos avaliar todo o filme apenas pela pequena sinopse que foi aqui descrita, e que poderá afastar os mais comedidos e conservadores deste fenomenal retrato juvenil acidentado de François Ozon. É mais uma história social do que sexual, apesar das aparências e das muitas cenas em que o ato se sucede. Mas faz parte: como filmar as peripécias de uma jovem a testar a sua sexualidade sem se mostrar sexo?

Mas nada é posto ao acaso, ou para simplesmente chocar o espectador mais sensível: Ozon não brinca connosco e trata tanto a sua atriz (a belíssima Marine Vacth) como o espectador com a dignidade que a narrativa pede. O filme não faz mais do que uma dissecação das mudanças físicas e psicológicas trazidas pela adolescência como também da relação conturbada entre pais e filhos que se verifica nesta etapa da vida destes últimos. Começando pelas novas experiências trazidas por um verão quente e agitado – em todos os sentidos do termo -, Ozon filma as andanças de uma família moderna que será apanhada pelo seu próprio sentido de modernidade, não se apercebendo do trabalho da filha e, mais tarde, das justificações que a levaram a agir daquela forma.

Filme para o Presente e para os problemas das relações sociais modernas, e dos valores familiares e juvenis da atualidade, Jovem e Bela é uma reflexão sobre a adolescência e o poder da Mulher, por mais jovem que seja, no mundo masculino. À medida que Isabelle se envolve em mais excessos e se torna mais desinibida e provocadora, acompanhamos uma certa degradação da sua imagem pessoal e da sua mente, descontrolada e cada vez mais desiludida consigo mesma. Ao entrar num negócio a que não devia pertencer, ela explora a idade das dúvidas e dos receios existenciais de uma outra maneira, tendo como consequência outros anseios e convulsões físicas e psicológicas que não são normais para esta faixa etária.

Nesta escalada de decadência pessoal, acompanhada por uma excelente banda sonora (e vale a pena ouvir com atenção a letra de cada uma das quatro canções que representam as estações do ano), uma magnífica direção de atores e uma interessante mise-en-scène, virada para o lado urbano da questão e para a banalidade com que, normalmente, as pessoas tratam este tipo de situações no dia a dia, Jovem e Bela toca em pontos constrangedores da experiência humana, como só François Ozon sabe fazer, na escrita do argumento e na forma de filmar e transportar as suas ideias para a tela.

Pode levantar uma série de perguntas e suscitar debates complexos, este drama de relações humanas repleto de segredos, mentiras, hipocrisias e de estranhezas, onde os maus acasos trazidos pelo destino conduzem-nos a resoluções cada vez menos óbvias. Cada estação marca uma posição distinta na história e gera um clímax diferente, acompanhando não só o reconhecimento incontrolável que Isabelle adquire nos meandros da prostituição e da pseudo-vida boémia que presencia, como também as fantasias e as ambições do seu irmão mais novo, da sua mãe e do padrasto, tal como de alguns dos clientes mais chegados à rapariga.

Numa época em que são lançados “milhentos” trailers e spots publicitários que conseguem revelar mais coisas sobre um filme do que deveria ser legal e culturalmente aceite, é aconselhável não se ler muito, nem se ver nada, deste Jovem e Bela, antes de se proceder ao visionamento da fita. Há uma série de pormenores simples e bonitos que podem ser danificados graças a essas excessivas promoções que, lá está, destroem o produto que querem vender antes de ele poder ser devidamente apreciado. Se a história de Ozon pode ser vista como um elogio à banalidade sexual dos nossos dias, como aponta essa publicidade, nada poderia ser mais errado, porque o cineasta combate essa própria ideia, desmistificando-a com esta personagem invulgar e fascinante.

Pode ser, em parte, um filme difícil de digerir e de compreender, já que as regras do jogo, e as pessoas que por elas se guiam, mudam mais depressa do que aquilo que podemos estar à espera (tal como são repentinas e inesperadas as mudanças do espírito sexual juvenil). Por isso mesmo, não será este um filme importante, por fala de vários tipos de decisões – e que não são apenas as puramente sexuais? Não será esta uma obra marcante do Cinema contemporâneo porque retrata o corriqueiro sem partir para estereótipos errados, que associam a juventude a temáticas gerais que pouco ou nada caracterizam cada indivíduo (porque essa idade não corresponde só ao sexo – apesar de fazer, obviamente, parte, e por isso, Ozon, não o pode deixar de fora)?

Singular drama humano de costumes europeus e universais, marcado pela era digital e tecnológica que domina o nosso cérebro, domínio esse que não deixa, mesmo assim, de evitar com que o ser humano se confronte com os dilemas mais intemporais da espécie. E um deles é o amor, e a diferença entre estar-se apaixonado e o puro espetáculo teatral e hipócrita dos jogos da prostituição. Jovem e Bela é um filme sensivelmente comprometedor, e uma das peças mais interessantes da carreira de um dos realizadores mais conceituados do Cinema francês. François Ozon volta a arrasar-nos, sendo mais explícito ao falar de coisas que conhecemos bem, mas que preferíamos não saber que existem.

8.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/04/18/jovem-e-bela-os-conflitos-e-contradicoes-da-adolescencia/
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Thu Apr 24, 2014 2:29 pm    Post subject: Reply with quote



Quote:
Marretas Procuram-se: o grande regresso dos bonecos

A oitava incursão cinematográfica das famosas personagens criadas por Jim Henson consegue mesmo ser uma das melhores: Marretas Procuram-se volta a colocar no grande ecrã toda a magia característica deste universo, acrescentando piadas mais modernas e números musicais arrojados e divertidos, que atribuem novos contornos e gargalhadas para as novas gerações.

Além de ser uma sátira com algo de genial à sua condição de sequela (da sequela, da sequela, da sequela…) do filme original que transportou, pela primeira vez, os Marretas do pequeno para o grande ecrã, Marretas Procuram-se tem a história repetida tantas vezes em comédias e dramas dos mais variados tipos: Cocas e a sua companhia teatral contratam Dominic Badguy (Ricky Gervais), um manager que os convence a fazer uma tournée pela Europa. Ao mesmo tempo, Constantine, um criminoso muito semelhante a Cocas, foge da prisão e toma o lugar do líder dos Marretas, fazendo com que o outro sapo seja capturado. A partir daqui, sucedem-se uma série de peripécias cómicas, musicais e sentimentais (e aqui é que não podemos esperar grande originalidade), que aproveitam os lugares comuns para lhes atribuir um toque especial.

Marretas Procuram-se não tenta infantilizar demasiado os bonecos de Jim Henson, como fez o seu predecessor, de 2011, até à exaustão. Há uma tentativa de regresso às origens, às mais implacáveis e subtis referências humorísticas à cultura e sociedade americanas, patentes no fabuloso número musical de abertura que abre a obra (meu Deus, eles tiveram a coragem de fazer piadas com a própria Disney, que produziu o filme!). E se a música do primeiro capítulo desta “ressurreição” das lendárias figuras populares já era deliciosa, aqui volta a ter a sua graça e o seu encanto muito próprio, por “culpa” de Bret McKenzie (da brilhante série Flight of the Conchords), que mais uma vez compôs as canções hilariantes e geniais que nos fazem bater o pé e sorrir descontroladamente.

O filme pretende não desiludir, apesar de ser, assumidamente, a repetição de um conceito e de uma marca que todos conhecemos, e da qual criámos uma imagem inalterável (aliás, nessa música inicial ouvimos algo como: “We’re doing a sequel/ That’s what we do in Hollywood/And everybody knows/the sequel’s never quite as good”). E aqui não há lugar para desilusões: Marretas Procuram-se faz “tudo outra vez”, mas isso não o impede de ser um festim de alegria, música e fantasia irónica, que sabe que é um filme para toda a família, tratando os espectadores com dignidade e grande divertimento (ou seja, não se trata de um filme miserável e desinspirado, e potencialmente aborrecido e entediante para maiores de… três meses). Todos encontrarão coisas para adorar neste filme.

E claro, como não podia deixar de ser, um filme que tenha os Marretas como protagonistas terá, obrigatoriamente, de incluir muitos e bons special guests. Aqui, vão desde Gervais a Tina Fey, passando pelas participações mais reduzidas (mas não menos inesperadas), de personalidades tão diversas como Ray Liotta, Danny Trejo, Christoph Waltz, Salma Hayek, Lady Gaga e tantos outros. Talvez com algumas delas encontremos aqueles momentos mais ridículos e estereotipados que dão um certo exagero “exagerado” às tentativas de humor levadas a cabo pelos convidados. Mas no fim de contas, conseguem estar todos muito bem, e condizerem perfeitamente com o espírito da fita.

Tem uma história clássica de enganos, que aproveita os estereótipos para nos fazer rir, com inteligência e delicadeza (entre os quais, destaquem-se os clichés pateticamente hilariantes que se colocam a diversas nacionalidades e línguas do mundo). E talvez a narrativa possa também proporcionar algumas pequenas surpresas, para além daquelas que o vastíssimo e riquíssimo leque de piadas nos consegue proporcionar. Podem esperar ainda a recuperação de temas intemporais que fazem a mitologia “marretiana”, desde o amor entre Gonzo e a sua querida galinha, e o casamento eternamente inconcretizável entre o sapo Cocas e Miss Piggy. É um feito cinematográfico do qual, certamente, Jim Henson ficaria orgulhoso, porque segue da melhor forma o seu legado e as suas ideias inovadoras que marcaram a cultura americana e o modo de se fazer comédia na indústria do entretenimento.

É melhor que o filme anterior e, provavelmente, um dos melhores títulos do franchise, por recuperar o espetáculo e a originalidade dos Marretas sem se esquecer das suas raízes, possuindo todas as características que um filme dos Marretas deve ter para poder ser, além de uma fita com essas personagens e histórias muito próprias, uma boa obra. E perdoam-se as mensagens sentimentalonas típicas (para agradar a miúdos e graúdos mais sensíveis), ao mesmo tempo que se saúda a revisitação ao lado Broadwayesco da série televisiva e dos grandes números musicais.

Marretas Procuram-se reaviva a nossa fé nos clássicos e o ceticismo que se propaga quando se pretende ressuscitar algum legado demasiado importante para a nossa cultura. Divertido e espirituoso, é no fim de contas, uma comédia simplesmente espantosa, que não pretende ser o melhor filme do mundo, mas cumprir com o espectador o “pacto” que muitas outras “ofertas” deste mercado do Cinema tendem a esquecer: a de fazer render o dinheiro que se investiu numa ida ao Cinema, um recurso cada vez mais caro e pesado para os orçamentos familiares. Porque, se se juntarem alguns euros para se gastarem num filme assim, será totalmente um investimento proveitoso.

Marretas Procuram-se mostra como a “idade” deu a este universo o direito de poder rir-se de si próprio, e dos convencionalismos que criou à volta da série televisiva e dos vários filmes que maravilharam os espectadores nas últimas décadas. Os portugueses podem optar por duas versões do filme, que estarão disponíveis nas salas: a original legendada em português, a que o Espalha-Factos assistiu, e a versão com a dobragem nacional. Não sabemos como foi feita a adaptação das vozes para português, mas se os Pais tiverem crianças que já saibam ler, não hesitem em adquirir bilhetes para uma qualquer sessão em língua inglesa, onde poderão ouvir atores e bonecos com as vozes pelas quais tão bem os recordamos.

7.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/04/24/marretas-procuram-se-o-grande-regresso-dos-bonecos/
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Thu Apr 24, 2014 11:01 pm    Post subject: Reply with quote



É a comédia “screwball” que deu ao mundo a inesquecível “persona” humorística de Cary Grant. Sátira social rocambolesca e divertida ao casamento e ao divórcio, «Com a Verdade Me Enganas» é talvez mais verosímil agora do que em 1938, quando as piadas e confusões criadas pela dupla de personagens principais pareciam mais uma atitude de burlesco do que de realismo, mas Hoje, esta comédia é um alerta sedutor e encantador para os problemas da contemporaneidade. Leo McCarey dirige as encrencas de um argumento subtil e genial, elaborado com o maior cuidado e precisão para criar uma fita adorável e indescritivelmente sarcástica e arrogante… à boa maneira de Hollywood. E se há pouco tempo se falava da prestação do cãozinho de «O Artista», ficarão ainda mais surpreendidos com os dotes do canídeo desta obra delirante e anarquicamente hilariante, que mostra ser uma das pérolas mais refinadas das comédias clássicas de Hollywood.

* * * * 1/2
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Fri Apr 25, 2014 12:47 pm    Post subject: Reply with quote



Quote:
Tropicália: rebeldia em tempo de ditadura

O documentário retrata um dos períodos criativos mais inovadores da cultura brasileira, contrapondo a frescura das letras e melodias dos membros deste movimento com a dureza da ditadura brasileira, que criou barreiras para a liberdade de expressão e de criatividade de artistas como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé e Maria Bethânia. E finalmente, Tropicália estreia esta semana em Portugal, nas salas e também em DVD e nos videoclubes da televisão por cabo, numa iniciativa que pretende atender às novas necessidades de expansão do mercado cinematográfico.

Tropicália é a história muito bem documentada e construída do movimento artístico brasileiro homónimo e dos seus protagonistas, contado pelos seus testemunhos e por uma vasta coleção de imagens de arquivo (onde se inclui um excerto de uma emissão do célebre Zip-Zip, que abre o filme, onde vemos Gilberto Gil e Caetano Veloso a falarem sobre o final do tropicalismo). Viajando pelas bandas (como Os Mutantes), os rostos, as polémicas e as lutas da Arte contra a forte pressão daquela época, em que o Brasil esteve dominado por uma ditadura opressiva feroz, Tropicália é uma fascinante viagem pelo mundo da música e do Cinema (por não só referir os momentos de vanguarda que o tropicalismo trouxe a essa arte, como também porque este documentário sabe funcionar como objeto cinematográfico, ao contrário de tantos outros, que confundem a televisão com esta linguagem).

Foi um dos movimentos mais importantes do século passado, cuja irreverência e rebeldia se divulgou pelos quatro cantos do mundo (e ainda mais quando Gil e Caetano tiveram de se exilar na Europa), aproveitando a vaga de frescura e inovação que caracterizou toda a década de 60, passando pela influência de bandas como os Beatles e os Rolling Stones e as novas mentalidades que começavam a surgir, e cujas mensagens políticas e sociais nunca pararam de circular, mesmo que as oposições as tentassem calar a todo o custo.

É um documentário inventivo, que brinca com o próprio papel da televisão neste capítulo da História da cultura brasileira, porque a caixinha presenciou muitos momentos fulcrais desta era conturbada, recheada de tensões e contradições, acompanhadas pela evolução da Arte e da importância cada vez maior da Música Popular Brasileira (vulgo MPB). E contando os factos com a ajuda das pessoas que os viveram, contrapondo várias camadas de passado cultural e histórico, Tropicália explica o que foi o movimento para quem não o conheceu, mas não deixa, ainda assim, de ser uma pérola para os melómanos, que poderão encontrar aqui muitos novos acontecimentos e situações que tinham permanecido inéditos, ou que não são muito conhecidos.

A posição estética alternativa defendida pelos vários artistas que vemos atuar, no passado, e que contemplamos a recordarem esses tempos, no presente digital e não ditatorial, ajudam-nos a compreender melhor a influência do movimento nos costumes brasileiros, e na radicalidade que propunha a um país que se queria fechado a novas ideias, impedindo a criatividade de poder ser utilizada da melhor forma por estes artistas, cujas belíssimas canções acabaram por, felizmente, ultrapassar as barreiras políticas impostas nos anos finais da década de 60. E durante boa parte do filme, os rostos da contemporaneidade são-nos escondidos. Há aqui uma intenção, sim: a de nos centrarmos no tropicalismo sem ser, a princípio, para ter sentimentos nostálgicos. Porque feliz ou infelizmente, nada do que aqui ouvimos e sentimos pode ser chamado de arcaico ou datado: este tema e esta forma de cultura nunca esteve tão atual como agora.

Tropicália é o testamento de um movimento que decidiu arriscar, mas que se desiludiu consigo próprio poucos anos depois de ter nascido. Vários artistas tentaram continuar a propagar a frescura dos ideais do movimento, mas o sucesso foi escasso, ou mesmo nulo. Isto mostra a importância das circunstâncias do Brasil para a formação desta nova forma de se ver as Artes: conseguiria Caetano Veloso criar a música inspiradora (e o álbum da qual faz parte), que deu nome ao movimento, se nada tivesse corrido como planeado? O tempo em que foi preciso haver rebeldia foi bem aproveitado, para assim poder continuar a inspirar os novos rebeldes dos tempos atuais (mesmo que muitos ainda achem que tudo está bem e nada parece ir contra o bem estar da sociedade).

A história do tropicalismo confunde-se com a História brasileira, e com os problemas constantes e intermináveis do show business (como por exemplo, a dificuldade dos artistas se destacarem da música mais comercial e mainstream, mesmo que isso vá contra os interesses daqueles que os financiam – o pão nosso de cada dia desde sempre neste mercado). E Marcelo Machado, realizador de Tropicália, sabe manejar muito bem todas as vicissitudes que nos são contadas pelas mais variadas perspetivas, enchendo o documentário com curiosidades e um interesse cinematográfico peculiar, que deveria ser uma lição para muitos filmes do género que chegam às salas sem terem qualquer pendor que os possa ligar à Sétima Arte.

Uma época inacreditável e desconcertante, cheia de energia e grandes talentos, que retrata a ânsia que os brasileiros sentiam para terem de volta a liberdade e a democracia que a ditadura lhes roubou, tornando o ato de pensar como algo semelhante a um crime grave para a pátria. A história do tropicalismo não poderia ter sido melhor retratada e recordada, revisitando o seu nascimento e a sua morte algo prematura. Mas o seu legado ultrapassa qualquer limite temporal, por ser um exemplo para a modernidade e ao qual ninguém pode ficar indiferente. Os sentimentos de revolta de Tropicália fascinam os espectadores e fazem-nos pensar também no valor que damos à cultura no nosso país. É que muitas vezes esquecemos que a Arte pode ser muito mais do que aquilo que move as sociedades: também tem a força de poder mudar o Mundo.

8/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/04/25/tropicalia-rebeldia-em-tempo-de-ditadura/
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Sat May 03, 2014 12:22 pm    Post subject: Reply with quote



Quote:
A Lancheira: a vida, o amor e as refeições por encomenda

É um romance peculiar, com as suas singularidades que o destacam entre os filmes mais comuns do género: A Lancheira é uma história peculiar que é ao mesmo tempo o retrato de uma sociedade e das diferenças de mentalidade entre gerações, à medida que o progresso e a tecnologia determina a forma como comunicamos uns com os outros.

Numa era dominada por constantes mudanças nos meios de comunicação, A Lancheira passa-se em Bombaim, e fala de um serviço de entrega de Dabawallahs (que são lancheiras com refeições), que um dia, graças a um erro acidental na distribuição, acaba por provocar a relação improvável entre duas pessoas completamente diferentes, que começarão a contactar-se regularmente através de pequenos bilhetes introduzidos nas ditas lancheiras. São eles Saajan Fernandes (Irrfan Khan), um funcionário administrativo à beira da reforma, e Ila Vaid (Nimrat Kaur), uma jovem mulher desprezada pelo marido. As sucessivas trocas de cartas, cada vez mais íntimas, fazem com que os dois comecem a sonhar com outras vidas, melhores do que a realidade…

É uma pequena grande surpresa, este filme cheio de simplicidade, que surpreende por não coincidir com os clichés que estamos à espera de encontrar. Pensamos, a princípio, que se trata de mais um romancezeco fantasioso como os outros, cuja única diferença encontra-se na sua localização geográfica e social. Nada mais errado, e ao longo de A Lancheira, percebemos que estamos perante algo que é exatamente o oposto dessas ideias feitas.

Mais do que um drama romântico, A Lancheira é uma obra social, que ilustra os costumes de uma cultura ainda muito ligada aos métodos tradicionais, mas que a pouco e pouco consegue avançar e acompanhar os tempos modernos. Vai buscar mecanismos clássicos de drama e até mesmo de comédia, inserindo-as num contexto único e que são tratados de uma forma bonita e encantadora, não tornando este filme mais uma cópia cansativa daquele tipo de filmes que só são propícios para levar casalinhos ao Cinema – sem que tenham muita atenção ao que se está a passar no ecrã…

A Lancheira reflete a mudança das ambições individuais, influenciada pelo condicionamento social e temporal da vida de cada um, através desta história singela e bem executada, que faz inveja aos clássicos mais puritanos e sensíveis da Hollywood dos anos 40. É um conto que também aborda a importância do envelhecimento na perspetiva sociológica de uma comunidade (envelhecimento esse que é atenuado pelas memórias que tornam o presente menos duro de suportar), e de como o novo se sobrepõe ao “antigo” no interminável ciclo da vida, das nossas vidas e das vidas dos outros.

E na era dos emails e dos chats permanentes, é curioso como se faz uma história que tem como mote a comunicação entre um dos meios mais obsoletos e desprezíveis para a modernidade, sem perder nada em termos de atualidade, beleza e fascínio, não só porque vemos, através de pequenos gestos e admirações, como ambas as personagens se sentem reconfortadas por terem alguém com quem podem falar sem precisarem de ter atenção a constrangimentos, e também porque seguimos os passos do percurso estranhamente romântico que se desenrola sem notarmos aquele tipo de falinhas mansas que são recorrentes e irritantes nos métodos mais convencionais de se filmar um romance em Cinema.

Sem ser simplório ou banal, A Lancheira apela ao que de mais belo e maravilhoso há no Cinema e na poesia que nos transmite. Consegue ser tocante sem, de facto, provocar lágrimas ou tristeza, e o final da história pode ser o mais humanamente evidente – mas não é por isso que não nos deixa de emocionar. É possível ainda ficarmos espantados com as coisas “velhas” e que são os temas clássicos da Arte. Basta saber contá-los de novas maneiras, ou com novos espíritos artísticos e criativos. E este filme é capaz disso, sendo agradavelmente mainstream e não perdendo, contudo, as suas características próprias.

Vemos a vida urbana indiana com um toque cinematográfico e apaixonante, à medida que um conflito de gerações se adensa e se toca, ao mesmo tempo. E as imagens promocionais podem não ser as mais indicadas para captar o público, mas sem dúvida, será uma das estreias mais bonitas deste mês. Um sólido filme romântico e filosófico, com magníficos atores, que mostra como a esperança está onde menos se espera.

8/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/05/02/a-lancheira-a-vida-o-amor-e-as-refeicoes-por-encomenda/
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas


Last edited by rui sousa on Sat May 03, 2014 12:31 pm; edited 1 time in total
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Sat May 03, 2014 12:30 pm    Post subject: Reply with quote



Quote:
Sacro GRA: um documentário completamente indiferente

Foi o primeiro documentário a vencer o Leão de Ouro do Festival de Veneza, mas Sacro GRA é tão desinteressante como promete a sua sinopse. Um puro vazio cinematográfico, que se aproveita da realidade para dar o ar de ser um filme importante.

É uma viagem pelo Grande Raccordo Anulare, ou GRA, a autoestrada que rodeia a cidade de Roma. Não visitamos os lugares icónicos da capital de Itália, nem paramos pelos símbolos belíssimos que são indissociáveis da cidade. Francesco Rosi explora o outro lado da questão, e filma os lugares que os turistas desconhecem, e que a publicidade tenta esconder. Conhecemos várias histórias reais, de pessoas reais, numa sucessão de cenas dispersas que fazem uma análise às más condições de vida de grande parte da população da Europa.

Não são de desprezar as intenções sociais e políticas de Rosi, porque aliás, nem é aí que se encontra o desinteresse de Sacro Gra. Mas o problema está mesmo no facto de o filme acabar por não se centrar em nada. As várias histórias que seguimos têm âmbitos e raízes distintas, e algumas são mais interessantes que outras. Porque não pegar apenas numa pequena porção delas e dar-lhes o tempo de antena que merecem, em vez de tudo se confundir, o que faz com que o espectador não consiga interessar-se por nenhuma das vidas que lhe são apresentadas, nem pelas variadas mensagens que a elas estão ligadas.

Se há um propósito em seguir estas vidas peculiares, que pouco nos emocionam, este desvanece-se com o tédio que o filme nos provoca. Mesmo que seja uma reflexão sobre não-sei-o-quê, e uma lindíssima introspeção que aborda o não-sei-que-mais através dos exemplos de sicranos-e-beltranos, isso não chega para criar um filme, para fazer C-I-N-E-M-A. Será que Francesco Rosi se esqueceu do que é isso do Cinema? Ou, durante a execução deste filme, esqueceu-se de levar o dicionário para ir revendo, sempre que tivesse dúvidas, qual é o verdadeiro significado dessa arte sétima?

Podemos não ficar indiferentes à seleção de entrevistados de Sacro GRA. Mas ficamos com pena que a história do enfermeiro em luta com problemas familiares, cujas andanças profissionais passam quase sempre pela autoestrada, tenha a mesma importância, para o filme, que a vivência de certas profissionais que fazem da noite e suas luxúrias o seu ofício primordial. E também parece que alguém não sabe, afinal, o que é a pobreza: ela não se mostra apenas filmando a câmara ao acaso, e perguntando a pessoas aleatórias se querem dar o seu testemunho para um documentário.

Mostrar estas vidas desta maneira acaba por ter tanto interesse e impacto como se elas não tivessem sido filmadas. Mas percebe-se que este filme diga mais à cultura italiana, podendo agir de imediato em algumas mentes mais conservadoras, que tentam polir o mais possível a imagem do país para o negócio do turismo não tenha de parar por causa disto. São pessoas que fazem parte do quotidiano dos italianos, e provavelmente formam algumas das personagens-tipo que mais facilmente encontramos à volta da GRA, uma autoestrada que acaba por influenciar, de forma mais ou menos intensa, o rumo de cada história, através de orientações mais ou menos claras e precisas.

Vale mesmo pelas (poucas) histórias que nos impressionam e tocam, apesar de serem tão afetadas pelos momentos que nada nos interessam, e que para nada servem no contexto que, supostamente, Francesco Rosi pretendia seguir. Limita-se a filmar coisas, mas a evolução na continuidade de cada figura é esquecida, para se dar uma visão passiva e mesmo desinteressada daquilo que se está a contar. E o Cinema não tem como função fingir ser a realidade, imitando os seus espaços de tédio (que fazem estes 93 minutos durar uma eternidade!), e atenção: não confundir tédio com silêncio – porque há pequenos nadas silenciosos que valem muito mais que os disparates que ouvimos muito entrevistado dizer ao longo do filme.

Um filme deprimente sobre deprimências urbanas que querendo captar uma realidade, acaba por simplesmente entrar num exercício de exposição que possui a mesma indiferença com a qual os media e a publicidade tratam estas zonas menos conhecidas de Roma. Vale por relembrar que, afinal, o quotidiano está cheio de pequenas histórias por descobrir, e que na autoestrada, o nascimento, a vida e a morte não param de circular, e onde tudo acaba por se cruzar, voluntária ou involuntariamente. Salva-se não demorar mais do que hora e meia (senão, o lado torturante da experiência chegaria a níveis de um sofrimento atroz que seriam ainda mais difíceis de suportar).

E talvez Sacro GRA seja um marco, enquanto retrato social de uma Itália decadente e miserável, que costuma ficar de fora dos bilhetes-postais que os turistas tanto adoram. Como filme, é uma nulidade.

5.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/05/02/sacro-gra-um-documentario-completamente-indiferente/
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Sat May 03, 2014 12:46 pm    Post subject: Reply with quote



Quote:
Parecia ser um dos títulos mais promissores do Cinema de 2014, mas acabou por se revelar uma das grandes desilusões do ano, tornando-se mais um exuberante flop da produção de Hollywood. Transcendence fala de tecnologia e imortalidade, e estreia esta semana em Portugal.

Will Caster (Johnny Depp) é um cientista prestigiado no campo da Inteligência Artificial, tornando-se uma figura controversa graças às experiências que leva a cabo para criar uma máquina com vida própria, a partir do cérebro humano. Quando o seu projeto está à beira de ser concluído, Will é alvo de um atentado por um grupo terrorista anti-tecnologia, que o deixa gravemente ferido. Mas para não o deixar morrer, e comprovar a eficácia da invenção, a sua mulher, Evelyn (Rebecca Hall), decide transferir o seu cérebro para um supercomputador, o que faz com que Will ressuscite virtualmente. Contudo, o dilema instala-se, à medida que a máquina ganha cada vez mais poder e informação: será que é mesmo aquele homem que está dentro daquele computador, ou apenas o processador aproveitou-o para se desenvolver autonomamente?

Talvez a melhor forma de começar esta crítica passe por uma mensagem que tem de ser transmitida, urgentemente, a Johnny Depp: que se passa contigo rapaz? O que é que andas a fazer, hein? Volta para os projetos giros. Aqueles que fizeste há uns anos, e olha que nem foi assim há tanto tempo. Que me dizes? Vais fazer isso, sim? Vais? Se puderes, vais ver que não te custa nada, e impedes que a malta tenha de aturar filmes como o Transcendence. Não impeças a tua fraca visão de continuar a fazer-te envolver em projetos descartáveis, por favor. Há muita gente que ainda gosta de ti (e não estou a falar apenas das muitas senhoras que te veem como um sex symbol). Obrigado e um abraço!”

Agora, podemos iniciar verdadeiramente a análise: esta era uma história que poderia ter dado muito mais do que aquilo que nos é apresentado. O argumento, escrito por Jack Paglen, estava há algum tempo na “lista negra” dos scripts populares mas nunca produzidos na indústria de Hollywood, e se agora foi finalmente concretizado, consegue ficar muito abaixo daquilo que os grandiosos recursos financeiros da produção poderiam ter possibilitado. Começa por ter uma premissa relevante para a atualidade, captando os problemas constantes que a tecnologia impõe ao nosso quotidiano, tal como a questão “máquinas vs. robôs”, uma temática que já pode ser considerada clássica do próprio Cinema.

Foi mais uma vítima do elevado marketing do sistema publicitário do Cinema americano. Com ele, criaram-se, talvez, excessivas e injustificáveis expectativas em relação a Transcendence, mas neste caso, a ideia que nos dá o trailer não acabará por diferir significativamente daquilo que o filme é na sua integralidade. Em vez de ser uma abordagem nova às questões que afetam a sociedade ultra high-tech do século XXI, acaba por ser um festival de clichés que tanto tem de futurista e de original como qualquer um dos filmes de ficção científica parodiados em Mystery Science Theatre 3000.

OK, sejamos sinceros: Transcendence não é um filme assim tão mau para poder ser enquadrado na categoria das pérolas da mediocridade que foram (re)descobertas nesse programa de culto americano. Mas é um fracasso notável e um feito apenas razoável, que não se perdoa aos talentos que nele se envolveram, e que poderiam ter dado muito mais e melhor a esta história. E tudo começa nos diálogos das personagens, cheios de uma desinspiração angustiante e surpreendente – e que apenas em alguns breves momentos conseguem sobressair desta generalização.

E Transcendence começa com algum interesse, com o discurso da personagem de Johnny Depp (e dos temas polémicos que analisa) que será, certamente, o momento mais fulgurante do filme. Precisamente porque não tem efeitos especiais nem cenas de ação despropositadas, como se sucede, a partir daí, numa catadupa de cenas que servem mais para encher chouriços (cuja qualidade é quase intragável) do que o apetite do espectador.

E há o cuidadozinho em não tornar nada incoerente, claro, visto que toda a história é tão fantasticamente complexa, e por causa dela, nenhum de nós consegue ser suficientemente esperto para descobrir que, por trás de uma camada aparentemente inteligente e profunda, se esconde todo um conteúdo superficial, banal e perfeitamente esquecível, apoiada numa capa de romantismo insípida e fracamente trabalhada. O filme acaba por ser inconsistente porque procura não ser inconsistente, esquecendo-se, contudo, que há coisas muito mais simples do que o espetáculo megalómano do CGI que são necessárias para tornar uma fita apetecível e sedutora para o público.

O problema primordial de Transcendence está, por isso, no seu lado formal demasiado semelhante com milhentas outras coisas que já vimos antes, quer no Cinema, quer na TV. Quem realiza é Wally Pfister, estreante na área, que foi nomeado três vezes para o Oscar de melhor fotografia, graças a colaborações com Christopher Nolan, tendo conquistado a estatueta em 2011, com o magnífico trabalho visual de A Origem. E é aí que encontramos outra das maiores falhas do filme: parece querer ser uma obra de Nolan, mas apenas copia as características que tornaram únicas essas películas, e que criaram o estilo que caracteriza esse cineasta (um dos produtores executivos de Transcendence). Falta um espírito próprio, algo que o possa destacar dos demais. Ah, e essa realização apenas tarefeira e copiada de tantas outras mentes brilhantes do Cinema não deixa, também, de atormentar a cinefilia de cada um de nós.

Mas ao pesar tudo na balança, e depois de se ter feito toda a síntese dos pontos fracos de Transcendence, há que realçar as coisas boas, que podem ser poucas, mas ajudam a elevar um pouquinho a mediocridade existente, até porque o filme não é desagradável, de todo: os atores sabem cumprir o que o argumento pede, e mesmo que pareçam desconfortáveis com a demasiada tecnologia que os envolve, têm interpretações mais destacáveis do que as palavras que têm de proferir. Há uma questão importante, que tende a ser esquecida, mas tem de ser valorizada: o filme, numa pequena parte da sua plot, especula como seria um mundo sem Internet, e consegue recriar um hipotético caos que não deixa de ser assustador.

E tal como na utilização dessa temática, na abordagem de outros temas delicados da contemporaneidade (mesmo que seja de forma muito fragilizada), não conseguimos deixar de pensar, afinal, no que poderia acontecer na realidade, se fôssemos confrontados com problemas semelhantes. Há que prezar também todo o trabalho técnico, impecável e fenomenal. Esperemos é que Wally Pfister tenha aprendido que, num futuro próximo, não é só o aspeto bonitinho e perfeito que faz um filme ser realmente bom e inovador. Os computadores podem ser necessários para resolver os problemas da Humanidade, mas cuidado com o impacto que as suas tecnologias podem ter naquilo que pode mesmo ser considerado como Cinema!

Resumindo isto tudo: o filme pode não ser mau, mas não é por isso que não deixa de ser pouco recomendável. E no princípio de Transcendence, ouvimos Will Caster falar de várias questões, relacionadas com as maiores inquietações da Humanidade. Uma delas é “o que é a alma?”. E é pena que também o filme não perceba o que isso é, porque acaba por ser o que lhe faz mais falta.

6/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/05/03/transcendence-a-nova-inteligencia/
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Tue May 06, 2014 7:27 pm    Post subject: Reply with quote



Não sabemos se, realmente, «Gostam Todos da Mesma», mas não é por ter uma tradução porcamente elaborada que a segunda longa metragem de Wes Anderson deixa de ser uma das mais deliciosas da sua filmografia: salpicado com o humor característico do autor, e que viria a desenvolver-se em filmes posteriores (assente em pormenores tão curiosos como o cigarro da personagem de Bill Murray), «Rushmore» é uma analogia entre os dramas da adolescência e o absurdo da vida adulta, com uma série de interpretações surpreendentes, uma maravilhosa banda sonora e uma grande inspiração visual e estilística, que não consegue parar de encantar o espectador. Tornou-se, com o passar dos anos, num merecido objecto de culto. E apesar do seu lado aparentemente bizarro, quem se deixar levar pela história estonteante de Max Fischer, repleta de amores trocados, ambições desmedidas, vinganças temperamentais e confrontos excêntricos, não vai ter, depois, razões para se arrepender.

* * * *
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
Old guy



Joined: 01 Mar 2008
Posts: 253
Location: Lisboa

PostPosted: Wed May 07, 2014 12:04 am    Post subject: Reply with quote

"A Single Man" ("Um Homem Singular")

Um filme que comecei a ver por acaso não do princípio mas que, logo após um quarto de hora, reconheci como um grande filme.


http://apartirdeumpontofixo.blogspot.pt/2011/04/single-man.html


Deixo aqui as palavras de Jorge Mourinha que, melhor que eu, descreve esta obra:

"Colin Firth é um homem para quem a vida já não faz sentido na extraordinária estreia na realização do estilista Tom Ford. É, dizemos nós, uma obra-prima

Era uma vez um professor de literatura numa universidade californiana, que vive uma sexta-feira normal como se fosse o último dia da sua vida. E, por vontade dele, é-o - porque, desde que o seu amor morreu num acidente de carro, já nada mais faz sentido. Este, então, é o percurso do último dia da vida de George Falconer, cansado de não mais ter ao seu lado quem esperava que o abraçasse e partilhasse a sua vida até ao fim. Uma espécie de "imenso adeus" a uma vida aparentemente encantada - um emprego confortável, um estatuto invejável, uma casa perfeita à esquina do Pacífico, mas que nada significam quando se deve sofrê-los sozinhos, quando se está cansado de procurar pensos rápidos descartáveis que só preenchem o enorme vazio que a morte deixou até a cola desaparecer.

Sempre que há um "penso rápido", um momento de empatia com o mundo, um momento em que George faz uma ligação emocional com alguém, a paleta de cores de Tom Ford explode num voluptuoso Technicolor saído da Hollywood dos anos 1950 e 1960, como convém a uma história que se passa em 1962, no pleno centro do sonho americano do pós-guerra. Mas é, literalmente, sol de pouca dura - tal como a noite se sucede ao dia, também a fotografia meticulosamente precisa de Eduard Grau regressa à dessaturação quase sépia que reflecte a tristeza indizível de um homem a quem foi arrancado, nas palavras de Chico Buarque, um "pedaço de mim".

Que esse "pedaço de mim" seja outro homem, que "Um Homem Singular" adapte um texto fundador da literatura gay assinado por Christopher Isherwood, apenas empresta uma dimensão adicional a um filme que fala de solidão, de luto, de esperança, de vida, de morte, de amor sem nunca os embrulhar em tiques ou truques de militância - porque a emoção central é universal, porque todos nós temos de aprender a enfrentar a perda de um ente querido, marido, mulher, amante, irmã, irmão, pai, mãe.

Há dois milagres no primeiro filme de Tom Ford. O primeiro é esse - conseguir encontrar o universal numa experiência singular, conseguir uma dificílima tradução em imagens de emoções profundas que já todos sentimos mas que nem sempre conseguimos articular.

E o segundo é inseparável do primeiro - é o facto de "Um Homem Singular" ser uma das estreias mais fulgurantes que vemos em muitos anos, de um controle formal e de uma sensibilidade que muitos cineastas mais experientes dificilmente ou raramente atingem. Tanto mais espantosa quanto Ford, um dos mais lendários estilistas da moda dos anos 1990, não tinha nenhuma experiência cinematográfica e não apenas prova saber muito bem o que está a fazer como arranca de Colin Firth, actor de cujo talento nunca se duvida, uma daquelas interpretações arrasadoras para entrar nos livros de referência. Todo em retenção e discrição, sem nunca cair nos opostos do excesso e da ausência, do minimalismo e do histrionismo, Firth ancora com uma segurança quase ofensiva um filme que podia muito rapidamente cair no exercício de estilo estéril.

Mas era preciso que Ford deixasse que isso acontecesse - e rapidamente se percebe que o que interessa ao estilista é contar uma história em vez de fazer pose. Encontrou o elenco ideal para isso (porque não é só Firth que é magnífico, mas também Julianne Moore, divina como há muito não a víamos, ou Matthew Goode) e, no processo, fez uma pequena obra-prima. "Um Homem Singular" pode bem ser um caso único - mas, se o fôr, ainda bem que existe. "

E ainda, de um outro crítico:

"Um Homem Singular é uma obra que já há muito não via numa sala de cinema, onde à mestria de Ford, que aqui consegue alcançar o que muitos realizadores mais experientes nunca conseguiram, se junta uma excelente escolha de actores e um argumento sublime, onde a simplicidade da história de Isherwood se eleva ao patamar de obra-prima cinematográfica, que nos ensina a viver e a aceitar a vida como ela nos é dada. Tom Ford arriscou e passou. Recomendadíssimo!"

Eu pessoalmente, destaco ainda a extraordinária banda sonora:

http://www.youtube.com/watch?v=omLBHOiI5Hc
Back to top
View user's profile Send private message
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Sat May 17, 2014 12:03 am    Post subject: Reply with quote



Quote:
Godzilla: uma monstruosidade intolerável

O que se pode esperar de um filme de monstros? Exatamente isto: mais do mesmo. Godzilla é o reboot que ignora o remake americano anterior, mas que não despreza o imaginário original japonês – mas calma, porque isso não augura nada de bom.

Sinceramente, é preciso estar a explicar a história de um filme que envolva esse monstro denominado de Godzilla (isto é, se à definição de “história” possa corresponder um festival anarquicamente irritante de clichés que abundam em todo e qualquer filme-catástrofe que tenha sido feito até hoje)? Talvez não, mas tem que ser, e não custa nada, porque até é tudo muito narrativamente simples.

Há uma ameaça que surge do nada, há uma série de personagens humanas que têm tanto interesse para o espectador como a quantidade de cenas ridículas a que o monstro original foi submetido nas diversas sequelas feitas no Japão (procurem no YouTube e descobrirão a “fabulosa” dança abominável do bicho, entre outras pérolas da mediocridade), e também algumas cenas que envolvam mortes, bicharada com origens que, muito honestamente, a minha cabeça não conseguiu assimilar, e muitos figurantes a falecerem de maneira inglória. Mas não se preocupem: no fim, acaba tudo em bem, e vivem todos felizes para sempre… apesar da destruição toda. Que bonito – e tão fortemente apalhaçado.

E é isto um filme que é previsível desde o primeiro momento, onde podemos adivinhar, praticamente, todos os planos que vão surgindo no ecrã e todas as falas estereotipadas, secas e brutalmente idiotas de todos os intervenientes. Esta pandilha de repetições e auto-reciclagens de fórmulas usadas até à exaustão poderá, no entanto, ter um brinde, para aqueles que quiserem gastar mais uns euritos para visionarem o filme no pouco espantoso e super-hiper-mega-ultra inovador IMAX 3D: um perturbante tiro à vista e uma valente dor de cabeça, proveniente de todo o excessivo barulho que foi inserido nas sequências de maior ação (que de “ação” propriamente dita, pouco ou nada têm).

Parece que agora está na moda dizer bem dos filmes originais de Gojira, ou pelo menos, da fita que começou tudo há precisamente sessenta anos: realizado por Ishirô Honda, O Monstro do Oceano Pacífico foi um marco para a época – e para a posteridade, deixou uma espécie de metáfora sobre a ameaça nuclear, patente na invasão do implacável ser, oriundo dessas mesmas armas e experiências, que tanto puseram o mundo, tal qual o conhecemos, na corda bamba durante a Guerra Fria. No entanto, vejamos: a primeira incursão de Gojira no grande ecrã não passa a ser boa por causa disso – mas com o passar dos anos, parece que tudo o que é antigo tem de ser bom, mesmo que, na altura da sua estreia, já tivesse a mesma “qualidade” que qualquer espectador sensato lhe possa encontrar hoje.

Enfim, o bicho ganhou uma legião de fãs, e o número de sequelas, ripoffs, paródias, referências e tantas outras coisas mais tornaram este personagem absurdo numa das figuras mais populares da cultura japonesa. E agora chega o reboot americano, assumidamente dark, mas que apesar disso, é tão torturantemente seco e saturante como todos os outros capítulos de Godzilla (sem ter a piada do ridículo das aventuras japonesas). Porém, consegue alcançar esse feito tão “inalcançável” de ser melhor do que a lástima realizada por Roland Emmerich há mais de quinze anos. Pois, não era difícil – é que, apesar de todos os defeitos que se possam colocar nesta nova abordagem a um universo menos abrangente e original do que muitos querem acreditar – o resultado final acaba por ser, pelo menos, visualmente espantoso e musicalmente revigorante (os únicos parabéns que posso dar é mesmo a Alexandre Desplat, que compôs uma fantástica banda sonora). Ao menos isso.

O novo filme faz referências ao Japão e às histórias originais, e tem um bom elenco, que tenta disfarçar o lado sensaborão e nada original que rodeia todos os diálogos que têm de ser proferidos. Mas porque é que estes filmes de monstros têm de ter sempre a mesma estrutura e carregar os mesmos estereótipos? É que Godzilla é uma salganhada de toda a catástrofe cinematográfica já feita até hoje, não apostando em trazer nada, mas mesmo N-A-D-A, de novo ao mundo. Apenas pretende dar uma melhor reputação ao monstro nas Américas, e até consegue fazê-lo… dentro do nível de mediocridade em que se encontra. É mais um exemplo de um setor de Hollywood que pensa que o medo se cria com muito barulho e os mais sofisticados efeitos de computador.

Pois, mas há aquela questão: não é isso que se deve esperar de um filme com estas características (para o qual todos os envolvidos trabalharam afincadamente – e com amor ao bicho, vá, é preciso confessar – sabendo que seria mesmo este o produto final)? Sim. Mas custa inserir alguma coisa nova? Custa não meter, por uma vez, o habitual subplot de uma família desfeita que se volta a reencontrar e de um cientista que profetiza o futuro vá-se lá saber porquê? E para que servem estas personagens, se de tão plásticas que são, não nos criam qualquer empatia ou contacto? Estão a precisar de workshops de storytelling nessa indústria?

Godzilla reflete todos os graves sintomas que passam pelo cinema de ação moderno, que mais se entrega aos efeitos especiais do que às potencialidades que a câmara e os enormes recursos poderiam usufruir. Ainda assim, esses efeitos ainda preenchem de forma jeitosa o ecrã e mostram como tanto dinheirinho foi gasto para fazer este filme. E lá no fundo, até poderia ser bem pior. Mesmo assim, não se fiem nesta adaptação dos clássicos do monstro, que nunca tiveram grande qualidade. E nisso esta nova versão é fiel: não tem substância nenhuma, nem ponta por onde se lhe pegue, no meio de um manancial de truques narrativos inconvenientes.

Precisamos, por fim, de constatar os factos: tirem toda a atenção que o filme está a angariar, e a multidão de fãs loucos que está a encher a página do filme no IMDb com notas extremamente altas, e olhem para a programação das tardes de fim de semana das generalistas. Podem encontrar diversas reposições de fitas como O Dia Depois de Amanhã, O Dia em que a Terra Parou e outros quejandos do género, que por sua vez, são também remakes de reboots de ideias de uma história surripiada de um desconhecido qualquer. Este Godzilla vai pertencer ao lote desses filmes de sessões televisivas em menos de dois anos, e será o melhor destino que uma “obra” destas conseguirá ter no seu curto espaço de vida mediática. Mas nem esperem por isso, porque se as vítimas fogem a sete pés da ameaça mortal dos monstros, os espectadores, por seu lado, têm de correr o mais depressa possível para conseguirem escapar deste filme. São vidas que se salvam.

4/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/05/15/godzilla-uma-monstruosidade-intoleravel/
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Sat May 17, 2014 12:25 am    Post subject: Reply with quote



Quote:
Capital Humano: a decadência da vida social

É uma das grandes surpresas do ano, e é um filme que tem de ser urgentemente descoberto pelos espectadores portugueses: Capital Humano é um drama agridoce que, tal como a vida, está cheio de enganos, traições e armadilhas.

Capital Humano entrelaça as perspetivas de três personagens no desenrolar de diversos acontecimentos mais ou menos trágicos que unem e separam as suas vidas. Contado em quatro capítulos, nele acompanhamos a história de Dino Ossola (Fabrizio Bentivoglio), um vendedor que sonha com a ascensão social, que poderá ser garantida graças à amizade da sua filha Serena (Matilde Gioli) com a família Bernaschi, pertencente à alta sociedade. Depois ainda há tempo para descobrir a versão da própria Serena e de Carla Bernaschi (Valeria Bruni Tedeschi) de todos os diversos casos que vamos acompanhando, e cujo sentido nunca é tão óbvio e direto como possamos imaginar.

Um misterioso acidente na véspera de Natal irá complicar ainda mais os conflitos interiores de cada um dos elementos desta tragédia urbana, montada como se de um autêntico puzzle se tratasse. O filme baseia-se no livro Human Capital, do crítico de Cinema Stephen Amidon, e, a partir dele, o realizador Paolo Virzì aproveita para desenhar um outro retrato da Itália contemporânea, com o seu quê de egocêntrica, pretensiosa, arrogante e cínica. São vários os filmes e cineastas que fazem uma análise assim a este seu país de origem, mas realmente, a única coisa que Capital Humano partilha com todas as variadas críticas sociais que o Cinema italiano tem levado a cabo nos últimos anos é mesmo a atmosfera de decadência, à qual nunca iremos escapar. Será a Itália um país interminavelmente decadente, ciente desta ruína cujo crescimento nunca conseguirá interromper?

É um dos filmes italianos mais mediáticos do ano, mas que não se confunda popularidade com qualidade – mas Capital Humano consegue vencer nas duas categorias (e esperemos que consiga conquistar outras mais, entre as 19 nomeações em que está a competir para os prémios David Di Donatello, atribuídos pela Academia do Cinema Italiano) e ainda, surpreender noutras tantas, mais ou menos formalizadas no nosso pensamento crítico cinéfilo.

É uma obra cheia de (boas) referências – o cheirinho a Robert Altman é percetível, já que sentimos a presença dos melhores elementos que caracterizam os seus mosaicos cinematográficos tragicómicos e fortemente socioculturais (que se vejam, ou revejam, Nashville e Gosford Park), e também é importante para a narrativa a influência de Woody Allen não no seu lado mais neuroticamente cómico e irreverente, mas nos variados filmes mais negros, frágeis e introspetivos que compõem a sua filmografia (sendo o caso mais flagrante e evidente Crimes e Escapadelas). Mas fora as “homenagens” a outros autores, Capital Humano vence por impor a sua própria visão das coisas, das fragilidades sociais, humanas e familiares, que se escondem por trás de um véu de hipocrisia facilmente transponível.

É uma ilustração da influência que as classes sociais estabelecem entre si. Mas no final, todos estarão no mesmo nível quando o tal misterioso acidente puser todas as vidas em jogo. Quantas almas serão sacrificadas? Quantos ódios serão revelados? Qual será o pano desta grande peça burlescamente real que acabará por cair à frente dos nossos olhos? Calma, calma, porque tudo fará sentido no final… ou talvez não, que fique isto ao critério do espectador!

A técnica narrativa utilizada por Virzì, num argumento de diálogos refinados e deliciosamente “orelhudos”, pode não ser algo de novo no Cinema, mas é notável o esforço que se tem em reinventar o próprio conceito do que é uma história para Cinema, adicionando uma subjetividade maior a uma subjetividade artística que, por si só, já é muito complexa e abrangente. E não precisamos de efeitos especiais nem de grandes tecnologias para ficarmos espantados e viciados na trama, enquanto tentamos magicar o destino reservado a cada uma das personagens centrais – algumas acabam por ter um final mais previsível do que outras, mas quando acabamos de ver o filme é que finalmente entendemos que não é a resolução o ingrediente fundamental de Capital Humano, mas a forma como lá conseguimos chegar.

E no entretanto, vamos juntando pontas soltas deixadas por cada versão dos acontecimentos, à medida que este fascinante elenco (composto por um sem-número de atores de renome no Cinema italiano e europeu) nos dá a conhecer as diversas facetas psicológicas do Ser Humano. Algumas são mais impenetráveis do que outras, mas uma coisa é certa: todas são fundamentais para se conseguir entender todas as curiosidades e todos os problemas que a nossa espécie sabe criar, através de simples decisões, desejos, chantagens e rebeldias temporárias. E a hipocrisia pode ser um denominador a todas as pequenas situações da trama – mas nenhuma fortaleza, por mais edificada que seja, consegue vencer a cobardia e oportunismo daqueles que, supostamente, deveriam defendê-la.

Capital Humano poderia resumir-se a um ou dois provérbios portugueses que todos nós bem conhecemos, mas a sua história envolvente, dinâmica e cativante merece ser visionada no lugar mais apropriado. Vai estar apenas em exibição em duas salas portuguesas – uma em Lisboa, outra no Porto – por pouco tempo, presume-se. Mas é tão importante que o público português consiga descobrir este filme! Quando passou na Festa do Cinema Italiano, recebeu uma grande salva de palmas. O filme merece e tem de ser visto, para contrariar as rotinas criadas pela crescente e inconsequente cadeia de filmes insípidos que inunda o mercado cinematográfico.

Um dos filmes mais demolidores de 2014, que começa por assentar numa série de peças dispersas, mas que a pouco e pouco começamos a entender, e talvez a gostar, apesar de ser um retrato de desesperos e humilhações. Porquê? Porque a vida é mesmo assim: Capital Humano é a Vida e as suas alegrias e amarguras em todo o seu esplendor, onde anda tudo ligado e a armadilha mais fatal de todas pode encontrar-se ao virar da esquina. Uma obra grandiosa, requintada… e demolidora.

9/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/05/15/capital-humano-a-decadencia-da-vida-social/
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Thu May 22, 2014 9:37 pm    Post subject: Reply with quote



Quote:
Grace do Mónaco: a recriação menor da vida de uma diva

Em vez de um filme profundo sobre as complicações políticas e sociais em que se envolveu Grace Kelly ao abandonar a carreira no Cinema, acaba por ser uma fita mediana, frágil e sensaborona, que passa levemente pelo que realmente interessa na vida de um dos maiores ícones femininos da História de Hollywood.

É a história da atribulada relação amorosa entre a atriz Grace Kelly (Nicole Kidman) e o Princípe Rainier do Mónaco (Tim Roth), iniciada em 1956, quando ambos se conheceram em Cannes. Seis anos depois, enquanto o casamento se encontra à beira do abismo, o realizador Alfred Hitchcock (Roger Ashton-Griffiths), para quem Grace fez alguns filmes (como A Janela Indiscreta e Ladrão de Casaca, do qual vemos, no princípio do filme, uma parte dos bastidores da produção) vai encontrar-se com a ex-atriz e propor-lhe o regresso a Hollywood, através de um papel em Marnie, um dos próximos projetos do cineasta. Mas a decisão de Grace pode dar ainda mais fragilidades à situação política que o Mónaco está a enfrentar no momento, devido às complicadas e tensas relações diplomáticas com a França. Então, ela terá de escolher, afinal, qual é o papel que pretende desempenhar: a da deslumbrante estrela de Cinema, ou a da Princesa mediática e envolvida em diversas ações de solidariedade.

Grace de Mónaco estreou no Festival de Cannes (foi o filme de abertura da edição deste ano) e a sessão ficou marcada pelo descontentamento do público e dos críticos presentes na sessão. É uma atitude que começa a ser generalizada, à medida que o filme chega a mais partes do mundo. Mas afinal, onde está o problema desta tentativa ficcional de ressurreição da vida da lenda do Cinema, do mesmo realizador de La Vie en Rose, sobre Edith Piaf?

É que, infelizmente, não estamos perante um biopic, um filme biográfico propriamente dito, nem nenhuma recriação relevante dos acontecimentos dramáticos que marcaram a vida de Grace Kelly: o que Olivier Dahan faz é reduzir o mito e suas circunstâncias às maiores formatações narrativas e visuais do Cinema americano, misturando truques de Cinema com mecanismos televisivos que para nada servem, nem para a história, nem para os espectadores. Isto é, se alguém conseguir perceber qual é o sentido de se filmar, com planos curtíssimos, uma discussão silenciosa entre duas personagens como se de um episódio da série 24 se tratasse…

Este objeto sofre do mesmo mal que muitos outros: diz, com grandes honras, que se trata de uma obra de ficção baseada em acontecimentos reais. É uma daquelas estratégias já velhas e desgastadas que tentam salvar um filme da fraca inspiração que nele possamos encontrar, suscitando, entre os mais incautos, um rol de pensamentos tão interessantes em que se enquadra algo como: “O filme afinal nem foi nada uma desilusão. É uma história real, portanto, é bom!”. Nada mais errado: infelizmente, nem para telefilme serve este Grace de Mónaco, embrulhando-se numa mistura de conceitos narrativos sem interesse ou sabor próprio, que se perdem no meio de tanta burocracia cinematográfica hollywoodiana, chamemos-lhe assim.

Pouca coisa bate certo na panóplia de personagens que nos são apresentadas no filme. Grande parte das figuras mais ou menos credíveis que compõem a história são plásticas, tal como de enorme plasticidade são as forçadas expressões faciais de Nicole Kidman. É um filme preguiçoso e falhado na sua reconstituição histórica e na falta de capacidade do realizador em perceber que, com muito menos aparato, se conseguiria captar, da melhor maneira, muitos dos momentos de intensidade e drama que necessitam certos eventos da história, que caem no esquecimento por ficarem disfarçados no meio de tanta e excessiva rapidez técnica, inadequadíssima para uma fita que precisa é de calma, para poder ser bem mastigada.

Mas não é só isto que afeta Grace de Mónaco. Há ainda o argumento mais ou menos interessante, que assenta em lugares comuns para criar toda uma série de diálogos que soam constantemente a falso e a despropositado. Parece que a maior parte dos atores diz as suas falas com uma entoação especial, tentando elevar-se a uma condição sobre-humana que não condiz com os propósitos do que se quer contar.


Isto acontece, de facto, pela forma unidimensional, alegórica e básica como são construídas as personagens, algo que notamos maioritariamente nos vários secundários que aparecem, de quando em vez, ao lado de Grace, sem parecer terem qualquer propósito narrativo para tal. O padre que é Frank Langella, por exemplo, não parece servir para mais do que explicar a história quando é preciso, tal como outras individualidades que, como se tivessem sido escolhidas aleatoriamente, aparecem para, pura e simplesmente, cumprirem esse diminuto e desnecessário papel. Parece que estas marionetas humanas estão ali para tentar cobrir a fraca psicologia atribuída, na história, à personagem de Kelly, reduzida a uma figurinha populista (e da qual Kidman, por mais loura platinada que seja, nunca conseguirá captar o charme único e imortal).

E há ainda outros que fazem o papel de “figura histórica relevante, que tem de pelo menos aparecer (ou de ter o seu nome enunciado com grande destaque)”, cuja missão é dar um ar histórico a um filme que é mais caricatural do que qualquer outra coisa. Veja-se Onassis ou Maria Callas e tentem ver o filme sem eles. Qual é a diferença? Praticamente nenhuma.

Mas há pequenas coisas interessantes, no meio de tanta dispersão, nem que seja apenas pelo lado político e militar que tanto Harvey Weinstein queria cortar para a versão que vai chegar em breve às salas norte americanas. Nessas cenas, vemos Tim Roth a sobrepor-se às figuras de cartão que o rodeiam, e a história ganha uma outra força, menos anedótica, refletindo de maneira mais séria e menos plastificada os problemas perturbantes do Mónaco da época.

É uma obra mediana, portanto, que pedia muito mais – mas tal como muitos outros filmes recentes que tentam relatar acontecimentos que fazem a História do próprio Cinema, Grace de Mónaco perde-se por se esquecer, afinal, o que é que tem de dar aos espectadores, e que não pode servir apenas para as sessões de Cinema das programações dos canais generalistas ao fim de semana. O filme vê-se com (algum) prazer e, felizmente, passa depressa – se incluíssemos mais alguma duração à fita, esta poderia ultrapassar os limites do suportável.

Mas faz mesmo pena ver que o resultado de tanto falatório e antecipação acabou por trazer isto. Mas talvez sirva de lição ao realizador: se Grace Kelly, durante todo o filme, terá de tentar perceber que a vida, infelizmente, não é um conto de fadas, Olivier Dahan deve estar agora a entender, finalmente, que nem todos os projetos em que se envolva podem ter um final feliz.

6/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/05/22/grace-de-monaco-a-recriacao-menor-da-vida-de-uma-diva/
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Fri May 23, 2014 12:30 am    Post subject: Reply with quote



Dwight (Malcon Blair) está perdido. Ou melhor dizendo, é um homem perdido, no meio de nenhures, não fazendo nada de jeito na vida. O mau aspecto em que se encontra, com uma barba farta descuidada, reflecte as condições mentais em que se encontra. Passa o tempo entre vagabundices, aproveita uma boa tarde de praia, e acaba por dormir no carro. Depois, dão-lhe a notícia: o assassino dos seus Pais saiu da prisão. É altura de ajustar contas com o passado: as ideias surgem e os hipotéticos planos começam a fervilhar na sua mente descontrolada e insegura. Dwight decide mudar a sua "imagem", parece uma nova pessoa que veio a este mundo. E é mesmo: agora, este Dwight não tem dúvidas sobre aquilo que fez e todas as coisas que ainda quer fazer. Está em acção, mas o medo persiste. Depois, fica descontrolado, já não sabe o que fazer: a vingança está a decorrer, mas onde param os limites de toda esta perseguição fatal, que o envolve na sua própria armadilha manipuladora e inconsequente?

«Ruína Azul» é um filme desconcertante: quem poderia esperar que, numa época dominada pelos mais desinspirados e insuportáveis 'blockbusters', chegasse até nós uma peça surpreendente como esta? É um 'thriller' como tantos outros, mas que consegue ter uma coisa em especial, que partilha com todos os grandes filmes do género: possui um espírito único e uma densidade incrível. Faz lembrar «Blood Simple», a primeira (e maior) obra prima dos irmãos Coen, sem ser necessariamente uma cópia desse filme - e ainda bem, porque o realizador Jeremy Saulnier sabe jogar bem com esta e outras referências cinéfilas, sem se esquecer de criar a sua própria história e um estilo que, se continuar no bom caminho, o pode tornar inconfundível no Cinema moderno. Ambas as fitas têm uma história de vingança, e apesar de seguirem caminhos e situações distintas, o clímax das duas acaba por coincidir num aspecto: a pressão que exerce no espectador é brutal, tal como a aparente simplicidade das suas personagens, cujos segredos e fatalidades acabam por nos esmagar, como se de uma grande e imparável bola de neve (cuja existência só reparámos quando ela já estava demasiado perto para não conseguirmos fugir) se tratasse. E o humor negro não é mais do que um ingrediente que serve, apenas, para temperar esses conflitos e tensões, acabando por não resistir perante tantas faltas de ar que nos consegue provocar. De tudo aquilo que possa ter assimilado entre tantos filmes e realizadores que admira, Saulnier aprendeu com os Coen a melhor lição de todas: a de que o público gosta de ser "mal tratado"... com dignidade, claro está. Como adoramos sofrer - mas calma aí, que a dor cinematográfica tem de ser de qualidade! E este é um caso onde acontece isso mesmo, porque sofremos com as personagens e com a escalada de eventos em que se intromete o nosso duvidoso anti-herói... mas não deixamos de ficar entusiasmados e empolgados com essa mesma catadupa de acontecimentos galopantes.

Não é um 'thriller' que precisa de se gabar, não é um filme que se torna fácil aos olhos de quem o vê, não é um título que se deixe tentar pelo que o espectador preferia ver. Estamos num tempo em que até o mais recente 'reboot' de «Godzilla» é incluído nessa categoria cinematográfica, portanto, não é de admirar que, pelo menos por uma ocasião, surja um caso que se adequa perfeitamente àquilo que institucionalmente o caracteriza - e sendo um grande «thriller', «Ruína Azul» consegue tornar-se, ainda, e citando uma frase tipicamente utilizada pelos nossos amigos americanos, 'one hell of a movie'. É um dos grandes filmes do ano, e uma obra que tem mesmo muito que se lhe diga. Desde a construção do suspense até às grandiosas interpretações, passando pela fria e dura realização e a imaginação de uma câmara matreira, sempre pronta a enganar-nos e a fazer-nos percorrer caminhos muito mais perigosos do que aparentam ser, há aqui muito para admirar. E arrisco-me, até, a fazer esta profecia: Dêem uns anos a «Ruína Azul» e talvez este já seja considerado um filme de culto, um clássico contemporâneo, e poderão vê-lo constantemente a ser incluído entre outros grandes "craques" as mais variadas listas conceituadas de cinefilia. Não que este seja o melhor filme do século... mas é tão bom descobrir que existem, ainda, pessoas que queiram trabalhar o Cinema como merece ser tratado, como... lá está, Cinema. Não sendo totalmente original, porque vai buscar as ideias e estrutura a histórias anteriores, «Ruína Azul» é um filme repleto de originalidade. Porque a "reciclagem" de ideias nada tem a ver com as potencialidades de um filme, já que muitas obras primas caracterizam-se, exactamente, por parecerem - e por apenas parecerem - iguais a todas as outras.

«Blue Ruin» foi feito com cabeça, tronco e membros, e é um filme que nos faz voltar a ter fé no Cinema independente norte-americano (sim, aquele que tem o verdadeiro espírito 'indie', não estou a referir-me a qualquer geringonça, que é tudo menos cinematográfica, que tem aparecido por aí fingindo possuir essa atitude e espírito livres de fazer Fitas, quando de facto, não consegue mais do que um isco fácil para atrair mediatismo a meia dúzia de 'hipsters'). Isto É Cinema, puro e duro, reflectindo aquilo que, durante um período da Sétima Arte, fazia as delícias dos espectadores - e que certos realizadores, como os Coen, tentaram ressuscitar, embora de maneira efémera, em décadas posteriores: o espírito 'noir', a falta de heroicidade plástica do protagonista, o desespero da sua demanda, e os desvios que este tipo de histórias fazem da vida real, e do que pode ser considerado "realista" ou "humanamente credível". No fim de contas, acaba também por filmar as relações familiares e os elos de ligação entre seres humanos de uma maneira que, no mínimo, pode ser considerada como insólita e envolvente. E isto não é entretenimento barato, atenção: «Ruína Azul» manipula, estimula e espezinha as nossas emoções a todo o momento, para depois destruir, completamente, toda a nossa inocência perante o grande ecrã. É isto que fazem os grandes filmes. Precisamos de CGI? 3D? Efeitos especiais de vária ordem? Não, tudo está na silenciosa, e porém arrepiante e perturbadora, essência desta grande descoberta do panorama americano moderno. E que mais se pode dizer? Ah, que já está em exibição nas salas de Cinema portuguesas.

* * * * *
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Sat Jun 07, 2014 7:08 pm    Post subject: Reply with quote



Quote:
Quase Gigolo: Uma comédia irreverente

Pode seguir os caminhos de uma narrativa convencional, mas acaba por se destacar por ter um lado mais original e invulgar: Quase Gigolo é o quinto filme realizado pelo ator John Turturro, e é protagonizado pelo próprio e pelo impagável Woody Allen.

Murray (Woody Allen) é o dono de uma livraria, e está a ter graves problemas financeiros. O seu melhor amigo Fioravante (John Turturro) decide ajudá-lo através de um part-time como gigolo. Ele começa a ser muito procurado e requisitado por várias mulheres ricas, graças ao passa-palavra de Murray, que se torna no seu manager. Mas a pouco e pouco os sarilhos aumentam, e ambos veem-se enrolados numa embrulhada de confusões amorosas e financeiras, que envolve uma mulher judia viúva e todas as raízes religiosas às quais está ligada…

Ter duas das maiores figuras de culto do Cinema americano moderno (um é colaborador habitual dos irmãos Coen, tendo emprestado corpo e voz a inesquecíveis personagens dos filmes História de Gangsters e O Grande Lebowski, o outro dispensa qualquer apresentação) a cooperarem, em conjunto, num filme, parecia ser algo quase impossível de ser concretizado: mas eis que surge Fading Gigolo, e esse pessimismo pode ser posto de lado. Talvez alguns estivessem à espera de uma grande obra prima da comédia contemporânea, mas enganaram-se: não é esse o objetivo da história escrita e realizada por Turturro, que cria um filme com toques de irreverência e entusiasmo a partir de vários lugares comuns, sem precisar de ser óbvio ou excessivamente vulgar.

Esta é, provavelmente, uma das histórias de amor mais insólitas a estrear nos cinemas portugueses em 2014. Senão vejamos: há um gigolo improvável no centro da narrativa, os desejos que desperta em senhoras da alta sociedade nova iorquina e a paixão que se desenrola entre ele e a personagem mais contida e conservadora da trama. Será isto uma surpresa? Não, porque romances que rumam em busca da simplicidade têm sido, desde sempre, uma das ferramentas mais usadas e abusadas pelo Cinema – mas se a mesma história é contada outra vez, John Turturro sabe mostrar como aquilo que já conhecemos pode voltar a ter encanto. O seu próprio encanto.

É um romance desajeitado – na diferença de preceitos e contradições religiosas que constrói barreiras entre Fioravante e a viúva judia – e uma crítica aguçada a um modo de vida americano muito marcado pelas raízes judaicas que marcam a História do País (e a própria História do Cinema – numerar todos os judeus influentes da indústria revela-se uma tarefa de difícil precisão e execução), e pelas regras que as mesmas impõem. Turturro explora a vida e os bairros onde cresceu e cria pontos de contacto também com o próprio Woody Allen e as reflexões teológicas que fez em vários dos seus grandes filmes (Ana e as Suas Irmãs e Crimes e Escapadelas são dois dos casos mais marcantes). E esta é uma das maneiras pelas quais a comédia aparentemente convencional mostra ser diferente, tal como na abordagem das relações humanas e das interações que criamos uns com os outros.

Os contornos desconcertantes da narrativa são muito bem aproveitados pelas interpretações dos atores, não menos interessantes e comprometedoras. O protagonista de John Turturro é um pouco mais apagado que as restantes figuras do filme, e de forma propositada: é o seu manager Woody Allen que trata das contas e dos “serviços” que ele vai ter que prestar. E nota-se que o próprio ajudou na escrita do guião: os seus diálogos são completamente allenescos, repletos de piadas secas, pequenos sarcasmos e notórias faltas de respeito para com a seriedade pedida pelo senso comum. É nas suas filosofias que encontramos as maiores provocações da fita – e não nas cenas que mostram a enorme sensualidade das atrizes Sharon Stone (e de facto, o seu cruzar de pernas continua inconfundível e irresistível) e Sofia Vergara (da série Uma Família Muito Moderna).

Não deixa de ser interessante que, nas boas comédias (mesmo nas que não são tão inovadoras, como esta), os acasos não são, realmente, fruto do acaso, e as pequenas coisas acabam por ser aquilo que conta. E é da sucessão dessas “falsas” demonstrações do destino, uma marca registada da comédia, que se faz um filme muito agradável e que proporciona uma boa hora e meia de divertimento. Os seus pequenos defeitos saem inferiorizados graças ao espírito do humor e da realização de Turturro, que poderia, assim, apostar com mais regularidade nesta função de bastidores – antes de Quase Gigolo, realizou quatro filmes, e só o mais recente é que lhe irá trazer mais notoriedade neste campo, ultrapassando o pequeno impacto criado por Romance e Cigarros, título de 2005.

Apesar da sua aparente simplicidade (termo que aqui deve ser considerado sinónimo do adjetivo “simplista”), Quase Gigolo não se trata de “mais um filme” a estrear em Portugal: tem o seu quê de curiosa a sua passagem pelo nosso país, e mesmo que vá dividir opiniões, vale a pena descobrir este conto erótico e filosófico que reflete as divergências da religião que influenciam o modo de vida as pessoas que a praticam (como de igual forma as que não são crentes) e os dogmas que ainda são muito presentes – neste caso em particular no judaísmo, fortemente sentido nas pequenas comunidades fechadas e conservadoras, que o filme retrata de uma maneira relevante.

Quase Gigolo não pretende ser mais do que aquilo que os seus recursos pedem, ao contrário de outras comédias que tentam, erradamente e sem sucesso, afastar-se das coisas centrais de um filme de cariz humorístico. Comédias fazem-se muitas, umas mais complexas e divertidas do que outras – mas esta não necessita de complexidades para suscitar alegria no espectador, e também alguma empatia graças a uma história que possui algo de diferente, dentro dos seus convencionalismos.

Entre tantas nulidades, surge uma comédia que faz mesmo rir, e que não fala do conceito de gigolo pelos motivos mais idiotas (quem ainda se lembra daquele horripilante díptico protagonizado por Rob Schneider?). Pode não ser nada de extraordinário, mas não precisa: é uma comédia com piada, simples, bem feita, que sobressai pelos altos talentos que envolveu, e que sabe ser irreverente e subtil ao mesmo tempo, tendo boas ideias e alguma imaginação.

7.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/06/05/quase-gigolo-uma-comedia-irreverente/
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Sat Jun 07, 2014 7:43 pm    Post subject: Reply with quote



Quote:
Mil e Uma Maneiras de Bater as Botas: o humor corrosivo de Seth McFarlane

Não há dúvidas que se trata de um dos filmes mais controversos do ano – pela sua comédia mais escatológica e adulta e pela abordagem desconcertante que faz ao mundo do far west. Mas para os apreciadores do humor do multifacetado Seth MacFarlane, esta é uma aposta ganha, e entre bons e maus momentos de comédia, o filme acaba por surpreender pela positiva.

Albert (Seth MacFarlane) é um pastor cobarde, desprezado pela namorada (Amanda Seyfried) depois de ter desistido de um tiroteio. Ela acaba a relação e troca-o pelo desprezível Foy (Neil Patrick Harris). Entretanto, uma misteriosa mulher (Charlize Theron) chega à cidade, e ajudará Albert a enfrentar o novo namorado da sua ex. Mas essa mulher é casada com um temido fora da lei (Liam Neeson), que quando chega à cidade, vem à procura de vingança…

Mil e Uma Maneiras de Bater as Botas: quando Family Guy encontra o velho Oeste e o confronta num duelo pacífico, onde a provocação da maior gargalhada é o prémio que está em jogo. Talvez seja a forma mais sucinta, e contudo, mais apropriada, para se resumir o espírito da nova comédia de Seth MacFarlane, que sucede o grande êxito de bilheteira Ted (cuja sequela está já em preparação). O filme parodia os westerns e a mitologia desta lendária época da História dos Estados Unidos da América, pegando em elementos que tentam satirizar aquilo que o lado heróico dos títulos do género tenta “esconder”: as condições de vida degradantes e deprimentes daquele tempo e o atraso que marca todo o sistema de “Lei do Mais Forte”, que caracteriza tão bem esta etapa evolutiva do país.

É uma homenagem ingénua e despretensiosa ao western. Não é este o objetivo da história de Seth MacFarlane, mas é inevitável que nele encontremos algumas referências carinhosas aos grandes filmes do género que povoam o imaginário da Hollywood clássica… e que marcaram o Cinema. Muitos críticos tentarão criticar a obra pela falta de “rigor” dessa homenagem e pelas supostas obrigações que deveria cumprir (se desempenhasse esse papel de tributo), mas temos de colocar os pontos nos is: o comediante só quer parodiar, de forma pura e dura, os pequenos detalhes que apenas ele e a sua equipa conseguem descobrir e apurar com tanta criatividade e humor. E conseguem fazê-lo de forma hilariante. Pode não ser tão consistente como Balbúrdia no Oeste, o spoof de Mel Brooks aos filmes de “coboiada”. Mas tem os seus méritos próprios e proporciona grandes doses de divertimento – especialmente para todos aqueles que apreciarem o humor menos abrangente e “desagradável” de MacFarlane.

O filme contém todas as referências que fazem o universo de Seth MacFarlane: desde os mecanismos próprios que ele utiliza para atirar as suas piadas ao espectadores, passando pelos temas que gosta de abordar (por repetidas vezes) no seu humor, saindo, em certas ocasiões, com tiradas mais inteligentes, e outras completamente desprezíveis e, até, repugnantes (isto encontramos na comédia mais física e excessivamente brejeira de alguns sketches da trama). E aí já não se pode falar de se gostar ou não deste tipo de humor: esses pequenos momentos mais escusados de comédia são completamente insuportáveis. Mas, felizmente, são pequenos e rápidos, não tirando da nossa memória os momentos mais bem conseguidos.

A realização não se destaca de forma significativa, porque apesar de MacFarlane possuir vários talentos, um deles não será, garantidamente, este: ele acaba por apenas fazer a tarefa da maneira mais desinspirada possível, com planos muito curtos e televisivos, onde encontramos um lado mais facilmente associável à telenovela na maneira como se mostra sempre a reação de todas as personagens em cada momento de clímax da narrativa.

Mas apesar também da grande convencionalidade da história, o filme vale mesmo pelas suas fabulosas personagens (e todos os símbolos que representam), pela versatilidade dos seus bons gags e pelas magníficas interpretações do elenco, onde encontramos vastíssimos e surpreendentes cameos de diversas personalidades, que ajudam a dar a volta a uma comédia que podia ser tão óbvia, seca e desinteressante como tantas outras. Noves fora, as coisas más ficam de lado com a quantidade de gargalhadas que proporcionam as boas.

E mesmo que não mostre grande talento como realizador, Seth MacFarlane revela outra faceta da sua versatilidade, que deveria ser mais explorada num futuro próximo: as suas qualidades como ator de comédia, que sobressaem pela vivacidade e criatividade que atribui à sua personagem, o protótipo de tudo a que os westerns se opõem – a falta de coragem e o anti-heroísmo. Albert, no entanto, acaba por ser um herói, apesar de se tratar de um cobardolas incapaz de sobreviver sozinho no meio dos maus da fita do Velho Oeste. Mas acaba por representar a forma como um ser humano do século XXI poderia tentar viver naquela época e compreender as contradições da mesma – e estas interseções entre passado e presente acabam por criar alguns dos momentos mais brilhantes e inteligentes do filme.

Mil e Uma Maneiras de Bater as Botas mostra, mais uma vez, a versatilidade de funções que pode desempenhar um dos maiores nomes da comédia moderna. E goste-se ou não dele, há que louvar a tentativa audaz que levou a cabo ao fazer uma comédia diferente das demais que preenchem as salas na atualidade, não alinhando nos estilos mais populares de figuras como Judd Apatow ou os irmãos Farrelly.

Tal como em Family Guy, há piadas satíricas, chocantes e surreais que funcionam muito melhor do que outras – e são elas que acabam por ficar na nossa memória. Não é a história o que interessa mais aqui, mas tudo aquilo que os personagens conseguem criar a partir dela. Mil e Uma Maneiras de Bater as Botas sai vencedor por cumprir o objetivo de divertir os espectadores e de não perder, em grande parte das cenas, o espírito do humor que tornou único e inconfundível o estilo de Seth MacFarlane. Talvez vá perder algum entusiasmo por ter sido alvo de uma campanha tão criadora de falsas expectativas, mas vale a pena compreender a comédia pelo que ela pretende ser – porque assim, até acabarão por sair recompensados. Os fãs das séries televisivas do autor, ou do filme Ted, vão com certeza gostar desta abordagem peculiar ao Velho Oeste americano.

7/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/06/05/mil-e-uma-maneiras-de-bater-as-botas-o-humor-corrosivo-de-seth-mcfarlane/
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas


Last edited by rui sousa on Tue Jul 08, 2014 7:40 pm; edited 1 time in total
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Sat Jun 14, 2014 1:09 am    Post subject: Reply with quote



Pode ser um título que espelha a moda de pseudo-independência que começa a dominar o circuito americano, (aquela espécie de fingimento que certos filmes utilizam para tentarem parecer diferentes dos demais - o conceito de “indie” não é algo que podemos associar à realização televisiva, descontrolada e despreocupada de David Gordon Green), mas tem muito que se lhe diga: para além do regresso triunfante de Nicolas Cage (que acerta quando não está em modo “over the top”, tal como sucede aqui), «Joe» centra-se nos dois grandes protagonistas anti-heróicos da narrativa (politicamente incorrecta), admiravelmente compostos pelas gloriosas interpretações do elenco (Tye Sheridan tem um grande futuro pela frente) e na singular gestão que faz do drama e da tensão sempre presentes na atribulada história. É uma fita que mostra o crime e a irracionalidade, não se cansando de dissecar a busca pela redenção no lado mais duro e selvagem da América.

* * * *
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Thu Jul 03, 2014 11:53 pm    Post subject: Reply with quote



Quote:
Draft Day – Dia D: ambições e negócios no mundo desportivo

O novo filme do realizador de Os Caça-Fantasmas, O Pelotão Chanfrado e Nas Nuvens é um retrato corriqueiro dos bastidores económicos e oportunistas do futebol americano. Não é mais do que um mero divertimento ligeiro, mas ao menos sabe cumprir da melhor maneira essa função nada desprestigiante. Draft Day – Dia D estreia esta semana em Portugal.

É uma fórmula (demasiado) habitual, mas que acaba por funcionar mais uma vez: temos uma equipa de futebol americano que está a fazer uma péssima temporada e Sonny Weaver Jr. (Kevin Costner), o manager da mesma, está a um passo de ser despedido da liderança. Mas no draft day (o dia em que todas as equipas contratam novos e promissores talentos), Sonny tem a oportunidade de reconstruir a sua equipa caótica e desastrosa, e salvar a pouca confiança que os fãs e o seu chefe ainda depositam nas suas ideias, trazendo os melhores jogadores e evitando cair nas armadilhas propostas pela estratégia das outras equipas.

E com isto já conseguimos saber qual vai ser o final da história: juntemos a isto uma história de amor previsível e despropositada, uma série de diálogos recalcados de tantos outros filmes do género e um retrato fiel do espírito do futebol na vida dos americanos, e temos logo Draft Day na sua mais pura e banal essência, mais televisiva do que cinematográfica. E Ivan Reitman é, também, um realizador pouco cinematográfico, mais conhecido pelos sucessos de bilheteira do que pela qualidade e originalidade das suas fitas – à exceção de Os Caça-Fantasmas, que é um êxito de culto, e do premiado Nas Nuvens, Reitman tem-se dedicado maioritariamente a comédias falhadas, sensaboronas e, até, grotescas, como Gémeos, Júnior e Um Polícia no Jardim Escola.

Mas ao apostar num tipo de filme muito apreciado pelos americanos – e que faz regularmente sucesso nas tardes de fim de semana dos canais televisivos generalistas -, o realizador acrescenta-lhe um elemento que o destaca da vulgaridade das outras histórias cinematográficas que giram à volta do mesmo tema. E esse ingrediente é o grande e entusiasmante divertimento que o desenrolar dos acontecimentos e o desenvolvimento das personagens nos proporciona.

É o que vale o preço do bilhete para este Draft Day: se muitos pretendem, sem sucesso, trazer entretenimento com o mais luxuoso dos espetáculos que a Hollywood contemporânea nos consegue proporcionar, o filme pega nos truques mais habituais e acrescenta-lhes um ritmo muito interessante e fervilhante, que não consegue fazer perder o nosso interesse em relação a esta história, cujos avanços e recuos sabemos adivinhar rapidamente.

Não conseguimos sair do turbilhão de pequenos dramas e comédias que surgem, por mais desinspiradas que possam ser, porque o próprio filme puxa o nosso olhar a seguir, a par e passo, toda a conjuntura – isto, que tão dificilmente se consegue associar a qualidade, é o mínimo que hoje podemos pedir de uma sessão de cinema, e que tantos insistem em deixar de parte. E ao menos haja alguém que saiba cumprir, com distinção, esta função minimalista.

Para além do entretenimento agradável que proporciona, Draft Day tem duas outras qualidades que não podem ser postas de lado. Uma delas é a maneira desenfreada e muito realista com que aborda o mundo desportivo, mais as suas obsessões, manias e receios, e que são também idênticas às de todos os outros desportos. Não é difícil identificarmos o jogo de chantagens e vigarices “legais” que são postas em prática pelos vários dirigentes dos clubes de futebol americano com todas as pequenas perversidades que caracterizam as estratégias portuguesas, no que diz respeito aos pequenos e grandes clubes do “nosso” futebol.

A outra qualidade digna de nota é o elenco, e as interpretações que conseguem tirar das suas personagens de cartão, estereotipadas na sua construção psicológica e nos diálogos que lhes cumprem proferir. Kevin Costner está em grande forma, tal como Jennifer Garner, Denis Leary, Frank Langella, entre outros. Porque se Draft Day revela ser mais um exemplar de uma moda corriqueira de retratar o desporto em cinema, ao menos consegue sair valorizada por aquilo que nos oferece, algo em que muitos dos seus antecessores falharam.

E só por isto, o visionamento de Draft Day já vai ser recompensador. Porque se, de facto, é um filme totalmente de “sábado à tarde”, este será, provavelmente, um desses filmes escolhidos pelas estações televisivas para ocupar as suas programações de fim de semana. Mas a fita de Ivan Reitman será, porventura, um dos melhores títulos que o pequeno ecrã irá exibir, entre a fraca e repetitiva oferta que tem sempre vindo a disponibilizar. Um ótimo divertimento para descontrair, que não dura mais do que aquilo que sentimos e vemos na sala de cinema – mas enquanto estamos dentro dela, não queremos saber de outra coisa.

7/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/07/03/draft-day-dia-d-ambicoes-e-negocios-no-mundo-desportivo/
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
rui sousa



Joined: 13 Dec 2006
Posts: 1203
Location: Nasci no Porto mas vivo em Lisboa

PostPosted: Fri Jul 04, 2014 12:12 am    Post subject: Reply with quote



Quote:
Violette: a era dos livros revolucionários

É a história de uma mulher ímpar na História da Literatura Francesa, que foi contemporânea de Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre e Albert Camus. No entanto, a sua existência permanece desconhecida de muita gente, e Violette pretende ressuscitar a vida e obra de uma escritora revolucionária.

Realizado por Martin Provost, o filme conta a história de Violette Leduc (Emmanuelle Devos), uma mulher instável que começa a encontrar-se com Simone de Beauvoir (Sandrine Kimberlain), o seu ídolo literário, em Paris. A autora, ao descobrir um romance escrito por Leduc, A Asfixia, começa a admirar a sua escrita e convence-a a fazer da arte a sua carreira. O filme traça a evolução e rupturas da amizade entre estas duas mulheres, que durou até ao final das suas vidas. Esta relação simboliza toda a revolução literária que se criou no país com estas autoras e outros nomes incontornáveis.

Talvez o nome de Violette Leduc seja desconhecido para a maioria dos portugueses. Contudo, foi uma autora que partilhou a sua época com muitos grandes escritores que não foram tão esquecidos pela História, com os quais tomou contacto e que admiraram a sua obra – e no nosso país encontramos alguns dos seus livros traduzidos, como A Bastarda (o mais icónico) e Teresa e Isabel. O filme de Provost faz justiça a uma figura que está mais na “sombra” desses tempos culturais gloriosos, apesar de Leduc ter conseguido obter tanto impacto e controvérsia como Beauvoir, a sua inspiração, no que toca ao papel da Mulher moderna na sociedade contemporânea e no combate à análise do sexo feminino através de uma visão machista.

Trata-se de um filme interessante que tem como único defeito assinalável, talvez, o de ser um pouco longo demais, o que faz com que o ritmo da película se perca em virtude de certas pequenas situações que são filmadas de forma descontextualizada do resto da história. Mas uma fita assim não deixa de ser relevante, por tratar de uma pessoa que não associamos, à partida, à época cultural filmada. Porque o tempo pode tê-la apagado do campo mediático da literatura, mas o impacto da sua escrita foi inigualável e continua a gerar repercussões.

É invulgar encontrarmos um ambiente assim tão bem desconstruído no Cinema, captando a essência da busca incessante dessa geração de autores por novas tendências e novos sentimentos, que renovaram a literatura e a maneira como olhamos para o mundo e nos autocensuramos. Violette Leduc inovou ao mostrar a sexualidade com outras palavras e emoções, num espelho da sua vida difícil e acidentada que está retratada com delicadeza, choque e frontalidade.

Realizado com suavidade e detalhe, e muito bem interpretado pelo formidável elenco que o compõe (um destaque especial para o protagonismo de Emmanuelle Devos), Violette funciona porque, ao contrário de outros biopics, não se fica apenas pela função de contar esta história de maneira superficial e cronológica, com princípio, meio e fim. Não: o argumento de Provost, Marc Abdelnour e René de Ceccaty vai mais longe e centra-se nas questões que realmente interessam para se compreender a psicologia desta mulher, e as razões que levaram a que a sua escrita se tornasse naquilo que hoje podemos contemplar nos seus livros.

Violette não tenta compactar a vida da personalidade em causa, mas pega nas suas incertezas e mostra como ela era instável e perturbada, sendo mais um fruto de uma época descontente que clamava por mudança. Uma boa surpresa que sabe pintar, através da arte cinematográfica, um panorama literário revolucionário (nos livros e nos seus autores) que continua a inspirar gerações de escritores – e que é fundamental para compreendermos a condição humana no século XXI.

8/10


in http://www.espalhafactos.com/2014/07/03/violette-a-era-dos-livros-revolucionarios/[/img]
_________________
À Beira do Abismo
Companhia das amêndoas
Back to top
View user's profile Send private message Send e-mail Visit poster's website MSN Messenger
Display posts from previous:   
Post new topic   Reply to topic    Fórum Mistério Juvenil Forum Index -> O CINEMA E O CINEMA PORTUGUÊS All times are GMT
Goto page Previous  1, 2, 3 ... 12, 13, 14, 15  Next
Page 13 of 15

 
Jump to:  
You cannot post new topics in this forum
You cannot reply to topics in this forum
You cannot edit your posts in this forum
You cannot delete your posts in this forum
You cannot vote in polls in this forum


Powered by phpBB © 2001, 2005 phpBB Group