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rui sousa



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PostPosted: Thu Jul 10, 2014 6:51 pm    Post subject: Reply with quote



A crítica americana pode ter idolatrado «22 Jump Street», mas não é por isso que esta comédia deixa de ser muito parecida, a nível técnico, com tantos outros blockbusters de Verão de Hollywood (como por exemplo, na realização televisiva e formatada e na montagem rápida e constantemente despropositada de cada plano). Contudo, há uma coisa que distingue esta de outras fitas cómicas da temporada, e que acaba por “salvá-la” da mediania: a nova aposta dos realizadores de «O Filme LEGO» vence por nos garantir uma boa dose de divertimento ligeiro e bem feito, exemplarmente construída pelas interpretações e, principalmente, pela energia e timing da hilariante dupla formada por Channing Tatum e Jonah Hill. Tem clichés na sua história, mas estes são muito bem polvilhados por uma série de gags eficazes, que fazem com que esta seja mais do que uma mera comédia comercial: é uma comédia comercial com (muita) piada.

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rui sousa



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PostPosted: Thu Jul 10, 2014 7:05 pm    Post subject: Reply with quote



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Night Moves: Cinema com preocupações sociais e ambientais

O novo filme de Kelly Reichardt, uma das vozes mais influentes do actual cinema independente norte americano, é no fim de contas uma grande surpresa: Night Moves pode não ser para todos os gostos, mas sem dúvida que abalará o sentido cívico e ético de qualquer espectador.

É a história de três ambientalistas radicais (Jesse Eisenberg, Dakota Fanning e Peter Sarsgaard), que se juntam para levar a cabo um incidente que tenta responder às ideias ecológicas que tão acerrimamente defendem. Eles planeiam fazer explodir uma barragem hidroelétrica, fonte e símbolo da cultura industrial que tanto desprezam, já que é ela a responsável pelo estado do planeta e a constante degradação e escassez de recursos naturais, por ser uma grande consumidora de energia e um perigo para a preservação do planeta. Porém, as consequências do “atentado” serão maiores do que eles poderiam imaginar, e transcenderão, até, a própria dimensão social dos interesses ambientais e sociais que estão em jogo…

Night Moves acaba por se tornar numa espécie de heist movie ecológico e psicológico, através de uma divagação filosófica com o seu quê de contemplativa e introspetiva, sobre a condição humana numa situação extremamente delicada. A história de Kelly Reichardt está dividida em duas partes: a primeira diz respeito ao plano de execução do crime ambiental pelos três jovens que protagonizam o filme, e todos os passos que detalhadamente elaboram para conseguirem cumprir o seu objetivo da maneira mais eficaz, perturbante (para o establishment) e impactante possível; a segunda revela um outro lado, mais negro e profundo, de uma narrativa que parecia clara e objetiva, já que a cineasta começa, aqui, a explorar as consequências que traz a execução do crime – e que se escapam das mãos dos protagonistas, num desesperante confronto com a realidade que criaram e que da qual já não podem escapar.

É aqui, então, que a fita ganha o lado de thriller, criando-se um volte face psicológico e dramático no destino das peças deste xadrez fatalista: de um filme “certinho”, no que concerne ao facto de retratar uma temática e uma filosofia de vida cada vez mais presente no quotidiano dos seres humanos, Night Moves embrenha-se em caminhos mais labirínticos e difíceis, porque começa a explorar a mente humana e as reações mais ou menos irracionais que os culpados do crime acabam por sentir, na pele, ao saberem das terríveis e imprevisíveis consequências que a sua ação acabou por trazer àquela reserva natural tão maltratada pelas indústrias. Porque se o objetivo do trio era o de condenar as “maldades” das grandes empresas destruidoras da natureza, o castigo que lhe dão passa assim a ser, de igual forma, um castigo para os três, mas com outros contornos, mais psicológicos e menos temporários.

Ao punirem uma entidade que se aproveita das comunidades inocentes que dela necessitam para sobreviver, eles vão também causar uma série de dramas humanos que lhes são incontroláveis, por julgarem estar a agir da melhor maneira, ou por outras palavras, da maneira que a sociedade pede que se aja: lutando contra todos aqueles que tentam, ainda, acabar com aquilo que resta dos recursos e potencialidades do planeta, mal utilizados e geridos ao longo de décadas, séculos e até, talvez, milénios.

Em Night Moves o problema é o Homem, nas suas mais variadas categorias de “bode-expiatório”: tanto no que diz respeito às grandes companhias, sedentas de poder, lucro e ambição, que não olham a meios para atingir os seus fins (mesmo que esses meios possam, também, colocar em risco a sua sobrevivência), como também na outra face da medalha, a dos indivíduos que não estão escondidos por uma qualquer capa de interesses económicos, mas que são capazes, de outras formas mais ou menos destrutivas, de alimentar ainda mais o caos em que vivemos.

Kelly Reichardt, a autora do enorme bocejo dispensável Old Joy mostra, assim, ter “sofrido” uma evolução artística e criativa notável, já que tem criado, ao longo da estreia dos filmes que se sucederam a essa obra, uma imagem de marca e de culto no atual panorama indie do Cinema dos states. Night Moves mostra também um maior interesse da realizadora pelos caminhos mais psicológicos que podem gerar as suas narrativas contemplativas e sociais. Já que, ao transformar-se, de um retrato ambiental e de preocupações ecológicas cada vez mais agravantes, para uma (não menos interessante) desconstrução social e psicológica dos castigos que geram os seus próprios castigos e sentimentos de culpa, Night Moves assume também a função de questionar o papel do Homem na própria Humanidade.

E isto não é uma redundância despropositada, visto que o filme joga habilmente com a posição de vários grupos de opinião na sociedade que pretendem dominar, ou mudar, ou conquistar, traçando esse paralelo entre a responsabilidade do ser humano nas mais diversas situações, de escalas maiores ou menores. Por isso, não deixa de ser reveladora a forma que Reichardt utilizou para evidenciar como esta degradação do homem não se faz apenas por uma só “variante”, por toda a poluição que causa no ambiente, mas também pelos seus atos e pela intensidade das suas repercussões nos seus autores… e nas suas “vítimas”, previstas ou imprevistas.

Uma peça muito interessante de Cinema, com boas interpretações (destaque para Jesse Eisenberg num papel que não é tão eisenbergiano – isento de longos, demorados e velozes diálogos, o ator, ao falar menos, consegue ter mais espaço para mostrar as suas emoções e distanciar-se da persona descontrolada e desenfreada que o caracteriza genericamente) e uma direção segura e inteligente de Reichardt, que abandona a inocência artística para explorar esta outra inocência, de pendor humano e de desespero, centrando-se naqueles que não sabem ser ela o guia mais poderoso das suas delicadas existências. Faz-nos ficar ainda mais preocupados com a saúde do planeta… mas também com a crise degradante de valores e da falta de coragem da alma humana.

7.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/07/10/night-moves-cinema-com-preocupacoes-sociais-e-ambientais/
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rui sousa



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PostPosted: Fri Jul 11, 2014 4:02 pm    Post subject: Reply with quote



Roman Polanski adapta a peça homónima de Yasmine Reza para o Cinema aproveitando as limitações do espaço cénico e doméstico ao máximo, para recriar com a maior precisão possível a crescente tensão entre os dois casais que se reunem, ao longo de quase 80 minutos, para discutirem um problema criado pelos filhos de ambos. Um filme que aumenta a sua ironia e sarcasmo à medida que as quatro personagens se deixam cair no ridículo das situações e problemas que criam a cada instante e que acabam por gerar a ruptura de um ambiente que, à partida, parecia ser favorável e nada hostil. Com uma entusiasmante execução técnica e performativa, «O Deus da Carnificina» pode não ser um dos mais notáveis trabalhos de Polanski, mas mostra sem dúvida como o cineasta de «Chinatown» e «O Escritor Fantasma» ainda tem muito para dar, permanecendo um exemplo de grande criatividade e qualidade cinematográfica.

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PostPosted: Thu Jul 17, 2014 4:47 pm    Post subject: Reply with quote



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O Teorema Zero: a loucura distópica de Terry Gilliam

É o novo filme de um dos membros dos Monty Python, autor de excentricidades lendárias como Brazil – O Outro Lado do Sonho e A Fantástica Aventura do Barão. A filmografia de Terry Gilliam é irregular, variando constantemente entre filmes mais e menos interessantes, mas O Teorema Zero está entre os grandes títulos da sua carreira, e é também um dos filmes mais imaginativos de 2014.

Num futuro não muito distante, em Londres, Qohen Leth (Christoph Waltz), um génio da informática obcecado pelo seu trabalho, está atormentado por uma crise existencial que o leva a refletir sobre aquilo que faz e o funcionamento do sistema social e burocrático em que está inserido. Ele vive isolado numa antiga igreja incendiada, e está sempre à espera de um telefonema, que crê que pode ser a solução para todas as suas dúvidas e angústias filosóficas. Qohen começa a trabalhar em casa num projeto misterioso que tem como objetivo resolver o teorema zero e descobrir, afinal, se há ou não alguma explicação para a existência das coisas. Contudo, o seu desesperante trabalho é marcado pela aparição de vários visitantes, que lhe revelam alguns dos maiores segredos que envolvem o projeto e a sua implicação no mesmo.

Terry Gilliam regressa às fantasias distópicas e sociais futuristas depois de Brazil e 12 Macacos, e volta a acrescentar a essência criativa, excêntrica e insólita que caracterizam estas suas narrativas que têm tanto de ficção como de crítica à vida quotidiana. O Teorema Zero segue, à partida, algumas linhas básicas que nos recordam Brazil, mas acaba, apesar disso, por ir mais além do que essa história futurista poderia permitir. Não nos esqueçamos que o filme mais conhecido de Gilliam data da década de 80, época em que smartphones e redes sociais não passavam de delírios dos mais lunáticos escritores de ficção científica.

Quer na sua sátira burlesca e detalhada ao poder das novas tecnologias nas relações humanas do século XXI, quer na ilustração do uso dessas mesmas tecnologias na criação de novas formas de divertimento e prazer (que acabam também por desconstruir e reconstruir os mecanismos de comportamento que acabamos por ter com quem nos rodeia), O Teorema Zero elabora também uma reflexão sobre a presença do Big Brother, dispositivo Orwelliano que tudo vigia a todo o momento, mas atribui-lhe uma outra faceta que não deixa de ser curiosa: é que com as novas tecnologias, esse “Grande Irmão” não é apenas da responsabilidade daquela entidade misteriosa.

Nós próprios também o fazemos, porque com selfies, likes, tweets e outros que tais, estamos sempre a colocarmo-nos em modo de auto-vigilância, no grande mundo da internet em que estamos cada vez mais ligados tecnologicamente, mas cada vez menos emocional e fisicamente. Temos imenso gosto em nos mostrarmos aos outros, mas isso é feito através dessas redes tão maciças e obsessivas que acabamos por dar, aos outros, cada um dos passos que conseguimos cumprir na nossa vida. E não será essa vigilância tão ou mais perigosa, para a existência de cada indivíduo, do que a existência “solitária” do vigilante poderoso, que se encontra acima de todas as outras coisas?

Daí que O Teorema Zero possa ter momentos do mais surreal, bizarro e inacreditável humor, muito patente também naquilo que já é igualmente habitual nos filmes de Gilliam (os cenários incrívelmente kitsch e de cores muito vivas, onde se misturam vários elementos e estilos cénicos e arquitetónicos), mas é no seu lado ativista e crítico que encontramos a força maior da obra. Porque no meio da “estupidez”, encontramos sempre uma enorme e profunda seriedade, nas palavras e nos gestos das personagens.

A personagem de Christoph Waltz (numa interpretação extremamente interessante), não consegue falar em “eu”, por motivos pessoais, e por isso refere-se a ele próprio como “nós”. Uma das frases mais fortes que pronuncia no filme é “nós estamos a morrer”. E pode ter um significado ambíguo, mas é mais provável que Qohen esteja a falar de toda a humanidade. E lá está: de facto, o filme fala disso, de uma sociedade que está a morrer, porque os avanços do progresso fazem com que esta se encontre condicionada e/ou submetida a uma série de implicações sociais e psicológicas extenuantes. E nesse caos complexo, só nos resta tentar procurar outras soluções, e as respostas que sempre a Humanidade quis descobrir, e que podem alterar todo o status quo (e no caso do protagonista, isto é representado pelo tal telefonema que nunca mais chega).

Mas o que é o motor da sociedade avant-garde e modernaça do futuro inventado por Terry Gilliam acaba também por ser aquilo que a destrói na sua essência. E com isso, a fita torna-se numa espantosa reflexão filosófica e existencial sobre uma sociedade em permanente mudança, em que o poder da tecnologia a ser cada vez mais presente, para o bem e para o mal. E num mundo onde a queda da privacidade é cada vez maior (algo que, em parte, o cidadão comum ajudou a criar), isso tenta ser recompensado pela criação de ilusões emocionais agradáveis que não dão realmente nada – mas que servem para podermos “ir vivendo”, no meio de tanta desgraça e tragédia que preferíamos não conhecer. Essas ilusões, que fazem com que Qohen não consiga distinguir totalmente a realidade da imaginação (algo que pode também confundir o público), fazem-nos pensar na vulnerabilidade acrescida que a Tecnologia proporciona aos seus utilizadores.

Graças a essa tecnologia, a personagem de Waltz consegue ver a sua integridade mais facilmente destruída, e o poder da mensagem social de Brazil ganha, com O Teorema Zero, uma outra dimensão, maior e mais aterrorizante. Contudo, tal como todos os outros filmes de Terry Gilliam, o lado esteticamente invulgar pode afastar alguns espectadores de uma pérola como esta. Mas se nos deixarmos levar por este mundo aparentemente estranho (mas que tem muito do Real), podemos acabar por ser surpreendidos, e descobrir este lado obscuro e sombrio que o incrível e louco aspeto visual da obra tenta esconder. Porque Gilliam soube, mais uma vez, disfarçar com (falso) humor as grandes questões dramáticas que continuarão a perseguir-nos para todo o sempre, através de um filme encantador, envolvente, inteligente e deslumbrante.

8.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/07/17/o-teorema-zero-a-loucura-distopica-de-terry-gilliam/
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PostPosted: Thu Jul 17, 2014 5:06 pm    Post subject: Reply with quote



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Omar: um amor entre barreiras

O candidato palestiniano ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro é uma pungente história de amor que reflete o estado do país e as consequências dos conflitos que nele se presenciam na vida normal dos seus habitantes. Omar é uma obra simples, delicada e emocionante, que estreia hoje em Portugal.

Omar é um rapaz habituado a passar clandestinamente o muro de separação para poder encontrar, do outro lado, a sua namorada secreta, de nome Nadia. Contudo, os sentimentos que os dois personagens sentem um pelo outro acabarão por ser condicionados pela guerra e por uma série de problemas sociais e políticos, que se sobrepõem ao amor que os une e criando reviravoltas inesperadas e perturbantes nas suas vidas e naqueles que os rodeiam. A Palestina ocupada destrói simplicidades e cria rivalidades, proporcionando outras lutas que tentam distanciar-se do conflito armado que está sempre tragicamente presente.

É a história deste jovem (interpretado por Adam Bakri) que dá o título ao novo filme de Hany Abu-Assad, realizador de O Paraíso, Agora! (outro nomeado ao mesmo prémio da Academia), que acompanhamos ao longo de pouco mais de hora e meia. Tal como essa multipremiada obra, o cineasta volta a debruçar-se sobre os problemas que marcam a atualidade palestiniana e israelita. E aliás, a forte veracidade da história, no que diz respeito à maneira como a ficção usa a turbulência causada pelos factos nestes países faz-nos cair na estranha sensação de que este filme parece ter sido feito “naquele” momento em que estamos a visioná-lo.

Contudo, o drama é adocicado com uma certa química e comicidade presente entre os atores, propício a gerar alguns momentos francamente hilariantes num filme que possui um background que nada tem que nos possa fazer rir. Mas não é por causa disso que nenhuma das intenções ativistas de Abu-Assad se desvanecem – pelo contrário, só ficam mais salientes na nossa memória, entre as gargalhadas e o choque que grande parte do filme nos suscita, nos momentos mais intensos e provocantes da sua trama, e nas contradições morais e familiares que terá de viver Omar e alguns dos seus amigos, lutadores da liberdade.

A história de amor enternecedora acaba por não ser a parte mais interessante de Omar. Mas sejamos sinceros, será aquela que poderá dar um maior êxito internacionalizável ao filme (e talvez por isso tenha agradado tanto aos membros da Academia, que o recompensaram com essa nomeação ao prémio). É essa historieta com algo de Romeu e Julieta que puxará certamente por mais espectadores, e esperemos que assim aconteça, porque bem merece. E isso acaba só por ser uma camada superficial para Abu-Assad explorar todas as problemáticas que decorrem ao longo da ação da fita.

A força da (má) Lei, derivada de uma conduta política imprópria causada pela dura Ocupação, que impede o bem estar normal de uma sociedade, acaba por ser o tema central desta história de princípios, ética, amores, traições, choques emocionais e hierarquias que constroem uma noção de status que, para o bem e para o mal, é comum a todos os países do mundo (mesmo que seja usada de maneiras diferentes). Omar é um retrato imparcial e armadilhado do Real, que mostra o poder da paixão na tomada de decisões, superando-se aos valores e às amizades – implicando, por isso mesmo, uma panóplia de consequências para o protagonista a que não podemos ficar indiferentes.

A trama de denúncias e escape à dureza da vida mundana tem algo de Sidney Lumet, mas é o poderoso character study que mais se sobressai deste filme bem feito e cativante. Apesar de perder um pouco a noção do ritmo e da construção da sua própria história (provocando algumas incongruências notórias, de modo felizmente pouco demarcado, no cruzamento entre o romance e seus floreados sentimentalistas com a violência e os momentos de maior ação), Omar não deixará, com certeza, de tocar todos os tipos de espectador, pelas suas raízes humanas e envolventes que não nos deixam tirar os olhos do ecrã por um segundo que seja.

Se neste tipo de situação, seguir o caminho governativo e os códigos de conduta não serão a melhor escolha para tentar sobreviver às adversidades do conflito, esta história de amor com drama social mostra-nos como nunca devemos baixar os braços, nunca cedendo aos rótulos americanizados que já foram tantas vezes utilizados para se passar esse tipo de mensagens filosóficas. Com magníficas interpretações e uma realização segura e criativa, Hany Abu-Assad conseguiu passar a palavra e, através do Cinema, mostrar-nos uma visão da realidade que a própria realidade não nos consegue transmitir por outros meios (sejam eles jornalísticos ou de qualquer outra índole), através desta história de fatalidades e imprevisibilidades humanas que nos faz pensar, e muito, nos dias conturbados em que vivemos.

8/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/07/17/omar-um-amor-entre-barreiras/
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PostPosted: Fri Jul 25, 2014 9:17 pm    Post subject: Reply with quote



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Snowpiercer - Expresso do Amanhã: o comboio da humanidade

Foi um coreano, Bong Joon-ho, que conseguiu trazer de volta a extinta tradição épica, popular e inteligente dos grandes clássicos blockbusters de aventura e ficção científica: Snowpiercer – Expresso do Amanhã é uma história apocalíptica e uma metáfora arrasadora para a existência humana e a hierarquização da vida em sociedade.

Snowpiercer é o comboio onde viajam todos os humanos que sobreviveram à catástrofe provocada por uma experiência falhada que queria parar o aquecimento global. Entretanto, estamos em 2031 e uma nova geração já nasceu naquele comboio, e muitos não se conseguem lembrar de como era a vida na Terra, antes da tragédia acontecer. O Snowpiercer viaja sem parar à volta do mundo, e está estruturado de forma hierárquica, dos mais pobres aos mais ricos e poderosos, controlando os fracos com um sistema violento e chocante. Mas chegou a altura de Curtis (Chris Evans) liderar uma revolta contra todo o sistema dominado com mão de ferro pelo grandioso chefe do comboio.

Dito desta forma, o simbolismo político e social de Snowpiercer – Expresso do Amanhã pode parecer simplista. Mas não é isso que conseguimos ver neste novo filme de Bong Joon-Ho, numa produção de cariz internacional (algo que se nota em alguns formalismos narrativos da história) que contou com o auxílio de Chan-wook Park (de Oldboy – Velho Amigo) que adapta para o grande ecrã a BD Le Transperceneige. É uma história apocalíptica contada com grande entusiasmo e exatidão, tendo sempre atenção ao(s) pormenor(es) de cada cena e de cada crítica, ou sátira, presente nas diferentes carruagens do transporte.

Estamos numa época em que abundam as grandes produções que aparentam possuir uma grande mensagem política por trás das suas ficções comerciais e dirigidas só para um público teenager (a saga Os Jogos da Fome é disso exemplo). Mas depois aparece Snowpiercer, que utiliza essa forte mensagem para cativar o espectador e utilizá-la para proporcionar momentos de grande e glorioso entretenimento. A estrutura hierárquica do comboio é uma metáfora, em escala mais reduzida, do sistema que regula a humanidade desde sempre, tal como a grande desigualdade de recursos que encontramos no fosso entre os mais ricos e os mais desfavorecidos.

E a adaptação pode sofrer de algumas falhas técnicas e narrativas, mas não serão elas que conseguirão destruir o espírito do filme, e o sense of wonder dramático que nos suscita – porque parece mais real do que parece, a uma primeira vista menos atenta. Pode estar aqui assinado o futuro da humanidade, sempre à procura de aumentar os escassos recursos que tem disponíveis (mas que acabam por nunca chegar às mãos de quem mais precisa)? Esta obra apocalíptica, extremamente divertida (no sentido mais emocionante e “cerebral” do termo) e entusiasmante, abre-nos mais os olhos para o mundo em que vivemos, no meio de doses carregadas e intensíssimas de ação, tensão e crueldade.

Mas Snowpiercer é também marcado por um humor insólito que pode até ser mais chocante para o espectador do que as cenas de luta e as pequenas tragédias que se vão sucedendo ao longo da jornada do grupo de Curtis para chegarem ao outro lado do comboio. E aí, a simbologia, o insólito e o lado épico do filme (tão bem estruturado com a fenomenal banda sonora) ganham outra dimensão, evidente nas fabulosas interpretações do maravilhoso elenco internacional que suporta a história (com Chris Evans e também John Hurt, Jamie Bell, Tilda Swinton, Octavia Spencer, entre outros).

A maldade pode ser extrema, e por vezes caricatural, mas nunca deixa de ser estética e visualmente impressionante, tal como a batalha para controlar a locomotiva (que será o passo final para dominar o tirano Wilford e o que resta da humanidade), que se opõe a um conformismo que está demasiadamente instalado nas sociedades contemporâneas. Porque o que interessa é o equilíbrio do sistema, custe o que custar, eliminando aqueles que a ele se opõem e congratulando os outros que se deixam levar pelo poder massivo do establishment nas suas vidas.

É uma grande aventura arriscada e provocadora como há muito não víamos (nem tão cedo voltaremos a encontrar) no cinema, atendendo à modernidade e criando novas ideias que mostram que ainda se conseguem fazer blockbusters com cabeça, tronco e membros, auxiliando o lucro e a tentativa de chegar a um mercado mais vasto (porque as cedências que Bong Joon-ho teve de fazer não destroem a sua intenção artística) com uma nova e mais fria maneira de ilustrar, através da ficção das imagens, um retrato mais real da realidade do que aquele que os nossos olhos conseguem captar.

Com uma formidável fotografia e realização, e um argumento sensacional (que contou com a ajuda de Kelly Masterson, autor do excecional canto do cisne de Sidney Lumet, Antes que o Diabo Saiba que Morreste) prova que, ao contrário do pessimismo de muitos, o potencial lucrativo de um filme não precisa de ligar diretamente à sua qualidade técnica e narrativa. Um inesquecível jogo político à escala de um comboio, representativo de toda a Humanidade – e que pinta, talvez, o cenário dramático que nos espera num futuro não muito longínquo.

9/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/07/25/snowpiercer-expresso-do-amanha-o-comboio-da-humanidade/
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PostPosted: Thu Jul 31, 2014 7:54 pm    Post subject: Reply with quote



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Quando a Noite Cai em Bucareste ou Metabolismo: apologia do plano fixo

Um filme que questiona o passado e o presente do Cinema, e aquilo que será a Sétima Arte no futuro – mas que se perde no desinteresse que acaba por criar com as suas personagens. Realizado por Corneliu Porumbiou, Quando a Noite Cai em Bucareste ou Metabolismo é antecedido pela curta metragem Luminita, do português André Marques.

Paul (Bogdan Dumitrache) é um realizador que tem um caso com Alina (Diana Avramut), uma atriz secundária do filme que está, nesse momento, em rodagem. Mas para aquele que supostamente seria o último dia de trabalho de Alina, Paul decide filmar uma cena de nudez. Cineasta e atriz preparam a dita cena e tentam corrigir as suas incongruências cénicas, ao mesmo tempo que Paul começa a ver a sua vida e o seu cinema entrelaçarem-se.

O que é o Cinema? Parece ser a grande pergunta em que se centram os quase 90 minutos do filme de Porumbiou. Através de uma série de planos fixos, o realizador elabora uma série de alusões ao cinema contemporâneo e às diferenças que a modernidade trouxe às tradições da arte das imagens em movimento. Esses planos fixos são contados em sequência, em momentos de conversa prolongadas, que podem fazer uma espécie de alusão aos 11 minutos que um rolo de película consegue filmar (algo mencionado na primeira – e mais interessante – cena do filme), algo que Alfred Hitchcock utilizou também para construir um dos seus trabalhos mais notáveis e inovadores, A Corda. Mas só são isso, planos fixos com conversas mais ou menos interessantes, que não mostram grande criatividade ou utilização dessa câmara parada (mas tão cheia de possibilidades inventivas) pelo realizador.

Não há dúvida que Quando a Noite Cai em Bucareste… possui um grande simbolismo cinéfilo, tal como uma fotografia apropriada, boas interpretações e um exemplar trabalho de enquadramento da câmara. Mas que mais se pode aproveitar disto, no meio de tantas pontas soltas e muitas cenas entediantes e cujo propósito para a sua inclusão no filme parece ser nenhum outro que o da aleatoriedade? Este exercício de linguagem perde, pois, por não saber dominar esse lado peculiar e não conseguir, a partir dele, construir mais qualquer coisa do que aquilo que nos é apresentado.

Se o ponto de partida da trama consegue ser tão interessante e misterioso – a tal conversa de abertura do filme, sobre as potencialidades do Cinema, o seu possível fim num futuro não muito longínquo, e as diferentes formas de fazer Cinema que a película e o digital exigem dos cineastas – como é que Porumbiou se permitiu a dissecar, sem grande criatividade, essa intenção inicial com esta amostra de tédio, que mesmo que seja de tão curta duração total, custa mais a suportar (em grande parte das cenas) do que muito filme com mais de duas, três, quatro horas?

Porque se a obra fala constantemente do fim do Cinema, de que lhe vale estar a dar razões para o espectador ficar ainda mais desacreditado na sobrevivência da Sétima Arte, no meio da era digital dominada por uma cultura online, de falsos realismos televisivos e de fáceis e nada desafiantes narrativas visuais? Sim, são muitas as perguntas que nos deixa o penúltimo filme (até à data) de Porumbiou. E também por isto (além dos notáveis valores de produção já mencionados anteriormente), consegue elevar-se a um nível superior da mediocridade que outras tentativas cinematográficas de filosofar a arte não conseguiriam ultrapassar.

Felizmente que o cinema romeno não se resume a estas experiências apenas curiosas de desconstrução dos valores do cinema e da cinefilia e tem muito mais para dar e descobrir. Recorde-se Mãe e Filho, estreado entre nós em março de 2014, um drama singular que venceu o Urso de Ouro em Berlim, e que conta com o mesmo ator deste filme. Isto sim é uma demonstração de cinema, na narrativa e no uso dos recursos disponíveis (se bem que com as suas falhas, mas não tão evidentes como Quando a Noite Cai em Bucareste…), sem querer cair nas armadilhas fatais da rebeldia que confunde a construção de um filme com o falatório e a técnica da cinefilia. E é pena que a beleza dos planos sequência seja completamente rejeitada em favor desse simbolismo desinspirado…

5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/07/31/quando-a-noite-cai-em-bucareste-ou-metabolismo-apologia-do-plano-fixo/[/quote]
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PostPosted: Fri Aug 01, 2014 7:02 pm    Post subject: Reply with quote



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Belém: irmãos, traições e atentados

A Alambique lança entre nós mais um filme impressionante sobre o conflito israelo-palestiniano, duas semanas depois da chegada de Omar, nomeado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, às salas portuguesas. Belém é um drama intenso e uma fortíssima estreia na realização de um grande novo talento do cinema.

Belém conta a história de Razi (Tsahi Halevi), um agente dos Serviços Secretos Israelitas, e o seu informador palestiniano adolescente, Sanfur (Sadhi Mar’i). Ele é o irmão mais novo de Ibrahim, um terrorista procurado incessantemente pelas autoridades, e Razi recrutou-o aos quinze anos, com o objetivo de conseguir capturar Ibrahim. Para isso, investiu todos os seus recursos no rapaz e criou uma relação de proximidade e de intimidade com ele, que se traduzirá em alguns eventos da história. Mas não será essa amizade que poderá evitar as reviravoltas e os dramas que ocorrem nos maiores sarilhos da trama.

Seguindo a melhor tradição dos filmes densos e sofisticados de Michael Mann (onde as emoções entre os dois lados da Lei se confundem num jogo de poder, destruição e chantagem mútuo), Belém reflete o ambiente de tensão entre Israel e Palestina, numa realidade bélica cujas proporções trágicas conhecemos cada vez melhor graças ao pouco que conseguimos saber através dos meios de comunicação social. Tal como tudo o resto, a situação delicada que envolve os dois países gera uma série de consequências e condicionantes, que se traduzem na atitude das personagens, nas suas defesas e nos seus ataques, numa narrativa sólida e construída de uma maneira eficaz e original.

E neste poderoso filme, o realizador Yuval Adler não quer só fazer um retrato da guerra, mas uma abordagem sincera ao perigo das relações humanas e dos interesses de cada pessoa. Aí, nessa conceção, é que encontramos a maior influência, ou semelhança, com alguns filmes de Mann, mais propriamente Heat – Cidade Sob Pressão e Inimigos Públicos. A oposição entre o gato e o rato da questão israelo-palestina (e aqui ambos os papéis se podem confundir nos dois lados da medalha) é uma constante, e não se fica só por uma visão expositiva e desinteressada das violentas guerrilhas entre a polícia e os seus opositores. Adler vai mais longe e não cede a quaisquer tentações facilitistas, proporcionando uma história audaz, perturbante, e que poucas vezes temos oportunidade de contemplar assim, porque está filmada de uma maneira realista e, ao mesmo tempo, fria e sedutora.

A relação entre os dois protagonistas, pertencentes a estatutos e backgrounds tão distintos, acaba por ser o mote humano de um filme que se eleva acima da sua condição de ser fiel aos valores (tão mutáveis) da humanidade. Tal como em Omar, que usava a história de amor para revelar uma situação quotidiana gravíssima e marcante do nosso tempo, Belém despe os confrontos dos preconceitos e dos constrangimentos que impediram, a tantos filmes de guerra, ou “baseados em factos ou ambientes verídicos”, conseguirem manter a sua veracidade na ficção e na ilusão criada pelo cinema. Porque Belém vai para além da ilusão – até porque iludidos, provavelmente, já estavam os espectadores em relação às temáticas sociais da obra, antes de entrarem na sala escura.

E o resultado é estrondoso e, ao mesmo tempo, humilde – pelo cruzamento singelo entre o quase paternalismo de Razi com Sanfur, e o absurdo dos conflitos que, de facto, acabaram por unir estas duas personagens, e criar esta história cinematográfica cheia de sentimentos sérios e filosóficos. Numa miscelânea de choques, famílias e organizações terroristas (onde as rivalidades mortíferas têm o papel principal), há sempre espaço (mesmo que não pareça) para aquilo que de mais pequeno e simples caracteriza a natureza humana, natureza essa que está a ser mais e mais espezinhada graças a estes conflitos e às sedes de poder, fanatismos e oportunismos que os envolvem.

Belém não é só um filme anti-guerra, como também uma reflexão oportuna sobre todas as coisas que têm de se manter em funcionamento numa sociedade, apesar das adversidades provocadas pelos combates e pela perda tão injusta de vítimas inocentes em todo o confronto armado – que tanto prejudica essa regulação social que precisa de ser continuada. Com uma fita caótica, mas cativante, Yuval Adler dá assim os primeiros passos para uma carreira que, esperemos nós, continue a seguir este caminho criativo bastante interessante, explorando, como em Belém, os temas de um género cinematográfico específico, ou impondo novas ideias e virando do avesso os formalismos habituais deste tipo de filmes. Esta é mais uma das ótimas surpresas de 2014.

9/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/07/31/belem-irmaos-traicoes-e-atentados/
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Nunca Digas Nunca: poucos risos para uma hora e meia

O novo filme do realizador de Conta Comigo, Um Amor Inevitável e Misery – O Capítulo Final regressa com uma comédia ligeira que não consegue alcançar, sequer, o pouco que este género de filmes deveria proporcionar. Vale pelos dois grandes atores que o protagonizam, mas nada mais.

É uma típica história de amor e de desilusões face ao envelhecimento, como Hollywood sempre gostou de utilizar para fazer reaparecer algumas das suas maiores estrelas (recorde-se o exemplo, muito mais interessante, de A Casa do Lago, com Katharine Hepburn e Henry Fonda). E lembremo-nos que não é o cliché de uma narrativa que a pode tornar desinteressante – poderíamos trazer a discussão algumas boas dezenas de trabalhos de realizadores conceituados, que pegam em velhos chavões das histórias do cinema e que fazem, com elas, filmes que se tornaram mais originais do que poderiam aparentar.

Mas o objetivo de Nunca Digas Nunca não é esse, desde o princípio. E não há mal nenhum nisso. Se virmos o trailer com atenção, esta parece ser uma comédia totalmente light, sem qualquer tipo de propósitos intelectuais ou criativos, e que não sendo das melhores desse categoria, poderia até trazer um bom tempo de entretenimento razoável, onde os atores se divertem à grande, elaborado de forma eficaz e com alguma pinta e carisma. Se assim fosse, se esta comédia seguisse esse caminho, algo banal, mas não muito desprezível, não teria razões de queixa.

O problema é que tudo isso é uma fachada, porque nem como entretenimento ligeiro este Nunca Digas Nunca consegue funcionar bem. Entre as piadas patéticas (onde só uma em cada trinta e sete nos consegue criar uma espécie de sorriso) e as figuras embaraçosas das personagens e das situações “cómicas” em que são envolvidas (quantas vezes é preciso aturar as cenas tão “familiares” que envolvem fezes e sexualidade canina?), parece que encontramos mesmo o constrangimento nos próprios atores. Faz pena ter de ver Michael Douglas a interpretar o homenzinho estereotipado com ar de poucos amigos, numa versão menor do protagonista rezingão e teimoso de Melhor é Impossível (não há que enganar, o argumentista é o mesmo), que de um momento para o outro acorda para a vida.

Para isso, prefiro Nunca É Tarde Demais - sim, confesso que gosto desse filme, porque ainda aproveitou, mesmo que tivesse uma história cliché, as potencialidades de uma dupla de irrepreensíveis e geniais artistas de Hollywood (eram eles Jack Nicholson e Morgan Freeman). E pior: Nunca Digas Nunca é ainda mais preguiçosa do que é permitido a uma comédia light, ou seja, passa da barreira do entretenimento para a do puro tédio. Não há dúvida que Douglas e Diane Keaton preenchem o ecrã, apesar do fraquíssimo argumento (que, mais do que completamente previsível, é incongruente e demasiado longo), mas da razoavelmente interessante construção das personagens. Mas infelizmente, a química entre ambos não convence assim tanto, para conseguir elevar esta fita a um patamar mais digno do que a seca que nos proporciona.

Rob Reiner assinou grandes obras e outras dispensáveis (quem viu o desastre que foi North – O Puto Maravilha?), e aqui volta a não surpreender pela positiva. Porque o problema deste filme, enquadrado no género “da treta”, (categoria de filmes que possuem algo de especial que consegue, em parte, compensar a falta de competência e imaginação de todos os outros elementos que compõem uma obra cinematográfica – como a realização desinteressada, a montagem rápida que não permite planos com mais de 5 segundos, a história insípida, etc) é que nem consegue valer como tal.

Ou seja, Nunca Digas Nunca não é sequer uma boa “treta”, que visionamos alegremente e esquecemos logo que saímos da sala de cinema. É uma “treta” que preferíamos não ter visto sequer. Isto porque não há, em grande destaque, essa coisa qualquer que nos cativa a ver a história, com agrado, do princípio ao fim. E aqui seriam os atores a salvar a situação. E eles bem tentam (Keaton é a melhor intérprete da narrativa), mas tudo o resto (à exceção também de umas pequenas coisas que fazem o filme passar felizmente depressa, e que o seu visionamento não seja constantemente um sofrimento atroz) é incompetente demais para impedir que o barco não se afunde. E por isso, esta é só uma treta normal, que não passa de uma grande estopada disfarçada de comédia.

3.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/08/07/nunca-digas-nunca-poucos-risos-para-uma-hora-e-meia/
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A Viagem dos Cem Passos: nem a comida impede os clichés

O novo filme de Lasse Hallström é uma simpática, mas vulgar, incorreta e desinspirada abordagem ao mundo da cozinha, através de um conto de fadas desnecessário que, apesar disso, conseguimos ver com algum deleite.

A família Kadam viaja da sua Índia natal para uma pequena aldeia no Sul de França, e o pai decide abrir lá um restaurante indiano, tendo o filho Hassam como um dos principais cozinheiros desse estabelecimento. Contudo, terá de competir com o restaurante de Madame Mallory (Helen Mirren), localizado na mesma rua, e que possui uma estrela Michelin e uma grande reputação na pequena sociedade daquele local. A competição começa, mas o amor lá se intromete pelo meio, e depois, todos sabemos como é que isto vai acabar.

Conta com produção de Oprah Winfrey e Steven Spielberg, e a história é assinada por Steven Knight, a partir de um suposto best-seller mundial. Mas talvez A Viagem dos Cem Passos não precisasse de tão altas individualidades a cooperarem na sua execução, porque o resultado final poderia muito bem ser da autoria de qualquer tarefeiro menor da indústria cinematográfica. É estranho ver o autor do incrível Locke a escrever um argumento com muitas pontas soltas e formatado, mas esse tipo de história adequa-se perfeitamente ao seu realizador, que volta a pegar em temas e construções narrativas básicas e muito lineares, como antigamente, onde o charme e o encanto assumem o papel principal. Mas afinal, quem ainda se lembra do banalíssimo Chocolate (que apenas vivia da química forçada entre Juliette Binoche e Johnny Depp) e do risível Uma Vida Inacabada (mais o seu urso em CGI)?

Pois, é que A Viagem dos Cem Passos é mais do mesmo, só que se calhar, com ainda mais falhas. E o facto de, ao contrário do que indicia o título e a história, nem cem passos distanciam os dois restaurantes rivais (que competem ferozmente no início da trama e que depois acabam felizes para sempre no final), é apenas uma gota de água no meio de um oceano de clichés, estereótipos e facilitismos que vão ao encontro dos propósitos bonitinhos que se pretendem conjugar no desfecho.

Por isso, A Viagem dos Cem Passos é só mais um dramazinho fofinho e elegantezinho como dita a “receita” de sucesso de Hallström, dotado especialista para esse género de filmes cuja qualidade visual tenta disfarçar a superficialidade de todos os outros elementos cénicos e narrativos. Mas há que dizê-lo: é um filme muito agradável de se ver, apesar de nos fazer revirar os olhos com uma ou outra futilidade suprema de vez em quando (um dos que mais danificou a minha mente foi a frase: “Tu só consegues cozinhar com o coração“). E pode parecer pouco a retirar de uma experiência cinematográfica, mas… o que se há de fazer, se já é tarefa árdua para tanta fita mainstream conseguir, sequer, dar-nos a pequena porção de entretenimento que esta obra consegue?

Porque se a presença constante de comida (que em certos momentos consegue desempenhar melhor a sua personagem que uma boa parte do elenco dito humano) não consegue impedir a pura e dura existência de convencionalismos na realização, nas interpretações e no argumento, ao menos consegue atribuir-lhe um toque distinto que até nos faz despertar algum interesse para o mundo da restauração que está a ser retratado (mesmo que não corresponda à realidade, e esteja repleto de floreados e certas reviravoltas mais adequadas a uma telenovela do que às funções da profissão).

Este é, por isso, um filme praticamente industrial, que apenas consegue proporcionar um visionamento suportável, destacando-se a grandiosa Helen Mirren num papel que não se coaduna com o seu enorme talento, mas que faz com que se destaque de todos os outros atores – alguns meio desorientados naquilo que estão a fazer, e outros que cumprem o seu papel básico da melhor maneira possível. Pode haver grande falatório sobre estrelas Michelin neste filme, mas para o campeonato das estrelas no cinema, não chega apenas a comida, com ótimo aspeto, que o ecrã nos apresenta. Mas é melhor do que nada.

Em suma, e para nos adequarmos às temáticas do filme, termina-se esta análise com uma pequena alusão gastronómica: A Viagem dos Cem Passos pode ser comparado a um qualquer snack bar de uma estação de serviço perdida no meio da auto estrada. Paramos lá apenas por alguns minutos com o objetivo de comer qualquer coisa e esticar as pernas, para depois voltar a seguir viagem e esquecer o pouco ou nada que encontrámos naquele local recôndito. Mas enquanto lá estivemos, passámos alguns agradáveis minutos. E é esse o efeito desta experiência, porque quando saímos da sala de cinema, só queremos continuar a nossa vida quotidiana, esperando, mais tarde, encontrar filmes que não sejam apenas para usar e deitar fora.

Lasse Hallström é, por isso, o realizador-BIC-laranja-ou-cristal por excelência, contando com já vários anos de experiência nesse tipo de cinema, que se vê bem e se esquece rapidamente. Mas podemos e devemos pedir mais do que um filme que “cumpre o seu objetivo e que dá para passar um bom bocado”. Porque para este verão, o/a leitor(a) tem à sua disposição outros lançamentos nas salas que são bastante superiores à mediania, e que poderão ser mais interessantes e recompensadores do que este A Viagem dos Cem Passos. A escolha é sua.

6/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/08/14/a-viagem-dos-cem-passos-nem-a-comida-impede-os-cliches/
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O Salão de Jimmy: preconceitos, progresso e bons costumes

Ken Loach regressa com mais um filme sobre política e as diferentes gerações que compõem uma sociedade em choque, confrontada com as mudanças provocadas pelo progresso e pelas novas mentalidades. O Salão de Jimmy é um pequeno e agradável filme que estreia hoje no nosso país, numa distribuição da Leopardo Filmes.

Estamos no ano de 1932, e Jimmy Gralton (Barry Ward) regressa à sua terra natal, depois de viver dez anos exilado nos EUA, para ajudar a mãe e cuidar da quinta da família. A Irlanda mudou muito ao longo dessa década, e hoje tem um novo governo que alimenta a esperança da população. Apesar da oposição da Igreja e dos grandes proprietários, Jimmy decide reabrir o seu salão (que lhe criou problemas antes do exílio), cheio de atividades lúdicas e recreativas. É um sítio mal visto pelos seus opositores, que o confundem com política e comunismo… mas o objetivo do “Hall” não é mais do que criar um ponto de encontro aberto a toda a gente, onde cada um possa desenvolver as suas capacidades e talentos. Mas enquanto a influência de Jimmy aumenta, os seus inimigos decidem tomar medidas extremas para combater estas ideias progressistas.

São vários os filmes que utilizaram a dicotomia entre a tradição e a modernidade na criação das suas histórias, personagens e circunstâncias. Casos de excelência como o célebre Inherit the Wind, de Stanley Kramer, um feroz estudo sobre o fanatismo e a irracionalidade da crença, e a desconstrução das subculturas juvenis feita em This is England – Isto é Inglaterra, de Shane Meadows, são dois impecáveis exemplos da eficácia e importância dessa temática no Cinema, e que condiciona, de maneira tão forte, as relações humanas. O choque entre o conservadorismo e a rebeldia (como tão bem sublinha a personagem de James Dean no inesquecível Fúria de Viver, de Nicholas Ray) é uma constante em cada geração: todas terão os seus problemas, insolúveis para as que lhes antecedem, e óbvios para aquelas que lhes irão suceder.

O Salão de Jimmy poderá não ser um título tão entusiasmante no tratamento dessas simbologias como os anteriormente citados, nem é mesmo um dos grandes filmes do seu realizador, Ken Loach, defensor de um cinema realista que não esquece as convicções políticas e o meio social em que as personagens vivem e fazem o seu crescimento físico e psicológico (são dignos de lembrança filmes como Kes e Sweet Sixteen). Contudo, o mais recente projecto do cineasta britânico, que conta já com cinquenta anos de carreira, prima pela elegância da narrativa e pela simplicidade das interpretações.

Nomeado à Palma de Ouro do Festival de Cannes deste ano, O Salão de Jimmy é uma inteligente recuperação do passado e de uma luta social que permanece nos nossos dias (mas que se movimenta através de contornos distintos), evidenciando a intemporalidade das divergências entre novos e velhos, fenómeno que perdura desde sempre – ou por outras palavras, desde os primórdios da humanidade. É pintada toda uma constante luta de classes (que pode ou não envolver ideologias marxistas), em que a irracionalidade dos perigos que rodeiam uma cidade faz com que os “maiores da aldeia” tomem atitudes incorretas em prol da população (ou pelo menos eles acham que estão a agir bem).

E se a importância do Poder se mantém, também continuam a prevalecer as instituições que sempre o possuíram. No caso da história do filme, é uma Igreja autoritária e de cariz quase ditatorial (e que, por isso, em pouco ou em nada se adequa aos valores do verdadeiro e humilde cristianismo), que divulga este seu lado defensor de uma “boa conduta” primitiva e retrógrada como (falso) pretexto para a comunidade não recear a entrada do comunismo.

E Ken Loach, mais uma vez, manobra eficazmente as mensagens sociais da obra com os paralelos que esta pode estabelecer com o presente. Ou pelo menos, o realizador consegue mostrar como estas relações tensas entre os poderosos e os seus subordinados foram essenciais para que cada um de nós se tornasse naquilo que é realmente, porque as mesmas já fazem parte do nosso ADN, à medida que se vão repetindo de geração em geração – e serão sempre essenciais para cada sociedade corrigir erros e encontrar novas pontas soltas que têm urgentemente de ser resolvidas.

Porque O Salão de Jimmy não fala tanto sobre esse “salão” propriamente dito, mas sobre todas as particularidades que o rodeiam: o background onde foi fundado, o passado obscuro e atribulado do seu proprietário, a liberdade cultural que todos os habitantes procuram nesse salão, e que os clérigos e os ditos proprietários tanto querem destruir. E mesmo que não se destaque pela originalidade da abordagem, faz sentido afirmar que reside, por ser um filme de Ken Loach, um olhar político e rebelde que raramente encontramos nos realizadores mais jovens do século XXI.

E esse entusiasmo faz com que O Salão de Jimmy valha também a pena, para além dos notáveis valores de produção e das grandes interpretações de um elenco muito bem escolhido. Se a simplicidade do filme é uma constante, os seus valores e o impacto que pode ter em muitos espectadores não fica, por isso, afetado de qualquer maneira. Porque Loach sabe concentrar, nas pequenas coisas, a importância da vida em comunidade, sem preconceitos e restrições conservadoras, e do respeito que devemos ter uns para com os outros. E esta história pode situar-se nos anos 30 do século passado, mas as guerras de expressão que entram em debate nela estão, infelizmente, cada vez mais atuais. Por isso, O Salão de Jimmy é uma ótima oportunidade para, através do passado, compreendermos melhor os problemas do presente.

7.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/08/21/o-salao-de-jimmy-preconceitos-progresso-e-bons-costumes/
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PostPosted: Thu Sep 04, 2014 11:45 pm    Post subject: Reply with quote



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E Agora? Lembra-me: parábola da divagação humana

O premiado documentário de Joaquim Pinto passou pelo Festival de Locarno e, em Portugal, pelos certames Queer Lisboa e Doclisboa. Agora, chegou ao circuito comercial de distribuição e é também um dos dois filmes de estreia do novo Cinema Ideal.

O realizador, produtor e engenheiro de som Joaquim Pinto convive há quase 20 anos com o HIV e o VHC, o vírus da hepatite C. A progressão da doença fez com que Pinto se tivesse de afastar do trabalho e, após um período intenso de luta e medicação, decidiu regressar com este documentário onde analisa, em jeito de um diário ou um caderno de apontamentos, a confissão dos seus problemas, das suas dúvidas e da sua opinião sobre os mais variados assuntos, seguindo um ano de ensaios com medicamentos experimentais iniciados em 2011.

Naquele tempo, depois da aclamação com prémios de renome internacional, o novo filme de Joaquim Pinto começou a dar que falar por esse mundo fora. Chegou a Portugal primeiro pelos festivais, e agora, que está já disponível em várias salas do país, a crítica foi à projeção e entrou em êxtase, encontrando genialidades inexistentes em cada frame, e o júbilo povoou por toda a Terra (ou pelo menos, era o que parecia). Muitos cantaram e gritaram, com alegria, ousando dizer: “Bendito o que vem em nome da salvação sempre inglória do cinema português. Hossana! Hossana nas alturas!”.

Serve esta pequena brincadeira de linguística (e que vai de encontro a um dos pontos centrais do documentário, a fé e a crença nos dogmas) para abrir esta análise a E Agora? Lembra-me, e para ironizar com a maneira, quase divina e religiosa, com que a obra tem sido recebida por vários especialistas da Arte. Mas isto também serve para alertar os leitores do seguinte: se o que estão prestes a ler for tão esclarecedor como a não-existência destas linhas (ou a série de epítetos majestosos que a imprensa tem atribuído ao conteúdo do documentário), não se preocupem, porque talvez seja esse o efeito desejado de um filme como este.

Difícil de classificar e incomparável com qualquer outro título de 2014 (no bom e no mau sentido da coisa), E Agora? Lembra-me coleciona um conjunto de fragmentos sobre a vida, a morte, a religião, o cinema, o estado da humanidade, cães, sexo e tantas outras coisas mais. Ah, e os tratamentos infindáveis dos vírus, claro. Numa mistura de sentimentos acolhedores e repelentes, o documentário avança entre os devaneios de Joaquim Pinto, e pela construção mais ou menos harmoniosa que o cineasta decidiu atribuir-lhe.

O tema delicado da sinopse que tem suscitado debate na imprensa é apenas um chamariz para os sketches mais ou menos relevantes dos outros capítulos da existência atual do protagonista. Mas é um filme ao qual ninguém pode ficar indiferente, sem sombra de dúvidas, pelo seu cariz desconcertante e pela completa independência do realizador, que mostra aquilo que quer mostrar, como o quer mostrar – e aqui voltamos a referir que isto tem também dois sentidos. Tal como as referências cinéfilas, ao trabalho de Pinto e às pessoas que conheceu ao longo da sua carreira, este seu testemunho de vida, que se perde sempre no meio de tantas ideias, pensamentos e problemas, é todo ele um filme fragmentado que versa sobre as peças da vida que são difíceis de voltar a colocar no lugar certo.

E se há quem veja aqui uma reflexão adequada para o estado atual da nossa sociedade, e se há igualmente quem prevê que esta é uma obra prima, nós vamos com mais calma: o que há de melhor em E Agora? Lembra-me, e que não fica afetado pela (por vezes desnecessária) divagação, são as ideias, a liberdade de se fazer aquilo que se quer, tal como a liberdade do espectador de gostar ou não daquilo que vê, e ser erradamente julgado e desprezado por isso. Por isso, pode o filme implicar alguma paciência, para os que gostam de julgar apressadamente aquilo que veem sem o terem feito na sua totalidade?

Sim, mas a nossa disposição poderá ser recompensada, ao menos, com elementos filosóficos e existencialistas que nos darão que pensar durante muito tempo, mesmo que nos tornemos fãs, detratores ou simples opinadores neutrais da película, cujo ponto culminante se encontra no amor de Joaquim Pinto pelo seu companheiro de há quase 20 anos, Nuno Leonel, e nas relações humanas que estabelecem com o oculto e o sobrenatural (com espantosas referências a Cristo e à Bíblia), vizinhos, com amigos, com desconhecidos, e com os fantasmas desta vida.

E Agora? Lembra-me não é a “salvação” do nosso cinema (como se isso fosse realmente um conceito palpável e que o dignificasse), nem Joaquim Pinto é o seu Messias. Mas se todos os filmes nacionais tivessem, pelo menos, um terço das ideias que são evidenciadas ao longo destas 2h44, as coisas estariam mais bem encaminhadas.

7.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/09/03/e-agora-lembra-me-parabola-da-divagacao-humana/




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Grigris: a dança, a gasolina e o romance

Uma história “à americana” em língua francesa? É o que Grigris, nomeado para a Palma de Ouro em Cannes, parece ser… e em parte, é. Mas há outras coisas que acabam por distinguir este filme curioso, que estreia esta semana em Portugal, pela mão da Medeia Filmes.

Grigris, um rapaz de 25 anos aspirante a bailarino (mesmo que tenha uma das suas pernas completamente paralisada), vive dias atribulados no Chade, com o seu adorado padrasto a enfrentar uma doença cujos tratamentos são demasiado dispendiosos para o limitado rendimento da família. Para o conseguir salvar, Grigris tenta, por todos os meios, obter um trabalho que lhe permita conseguir a soma de que necessita: 700 000 francos. Começa a trabalhar no tráfico de combustível, mas uma decisão precipitada vai alterar a sua vida e gerar alguns acontecimentos conturbados.

Grigris começa com uma impressionante cena de dança, em que o homónimo (interpretado por Souleymane Démé no seu primeiro desempenho no cinema) se encontra no centro da pista do bar onde costuma trabalhar, atraindo a atenção e o entusiasmo dos visitantes do espaço que, extasiados, conseguem captar a energia dos seus movimentos e a irreverência do seu estilo. A sensação que este início deixa no espectador irá repetir-se em todos os outros momentos do filme onde veremos o artista a exercer o seu maior talento.

Mas não é só ele, este protagonista invulgar, que faz o deleite de Grigris, e por isso encontramos um filme que, mais do que agradável e feito de uma forma impecável, alerta para situações sociais (como a vida da comunidade pobre em que ele e os seus familiares se inserem) e culturais (o cruzamento de tribos e pensamentos distintos, e que irão gerar algumas das cenas de conflito e clímax mais interessantes da narrativa) que propiciam outra fonte de destacável e digno interesse.

O realizador, Mahamat-Saleh Haroun, que conta já com 20 anos de carreira, tornou-se um especialista neste tipo de singelos dramas humanos que, ao contrário de pessoas como Lasse Hallström, não aproveita a maleita do personagem principal para desenvolver toda a ação do filme (confinando-a a um elemento de pura lamechice), tornando-se esta como um simples ingrediente que dá um interesse maior à psicologia do indivíduo e às suas capacidades mais invulgares – a maneira como Souleymane utiliza a perna paralisada para os seus números variados de dança é, no mínimo, desconcertante, mas também contagiante.

Contudo, Grigris não gira à volta disso. E aliás, essa nem é a plot primordial do filme, porque há a tal história da doença do padrasto, e tudo aquilo que a mesma irá condicionar: o novo emprego do jovem (para o qual conseguiu entrar facilmente – mas que depois o irá perseguir, mesmo que ele fuja para o lugar mais remoto de todos), a decisão perigosa que lhe irá arriscar a vida na cidade e a nova vida que terá de escolher, mesmo que isso implique um afastamento total de tudo o que o fez crescer.

E se a interseção entre a história de amor que Grigris irá desenvolver com uma rapariga que conhece nos momentos de dança do bar e as horas de trabalho no tráfico de gasolina consegue crescer numa construção ligeiramente coerente, é no dilema da culpa do protagonista, da sua deficiência e da sua falsa inocência (em relação à namorada, à família, aos perigos que o rodeiam, etc.) e no retrato de um modo de vida dominado pelos preceitos religiosos, pelo guardar de segredos terríveis até à eternidade, e pelo (des)respeito às juras a Alá, que residem as maiores vitórias deste drama exemplar.

Pode não ser o melhor filme do ano, nem uma das melhores promessas do mês, mas Grigris é notável pelos seus valores humanos – e por isto não queremos dizer de algo realista (ou falsamente verídico, à maneira das histórias americanizadas cujo único objetivo é fazer chorar as pedras da calçada), mas o realizador soube filmar os meandros da natureza humana com inteligência, porque não elaborou as suas personagens com cartão e plasticina, em jeito de conto de fada, mas com o que de mais forte e eterno há nas emoções e nas características da nossa espécie.

7.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/09/04/grigris-a-danca-a-gasolina-e-o-romance/
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PostPosted: Wed Sep 17, 2014 12:07 am    Post subject: Reply with quote



Há um conflito tenso e armadilhado, entre dois irmãos, que se constrói através de oposições antigas e das fragilidades mentais de ambos. Minto: Jeremy Renner e Joaquin Phoenix não são mais do que primos em «The Immigrant», último filme de James Gray, estreado entre nós com um grande atraso (a culpa é do jet lag... comercial). Mas os pontos de colisão entre ambos parecem com que se torne mais adequado, pelos hábitos humanos e cinematográficos que adquirimos, que nos lembremos desse outro tipo de relação familiar, mais próxima e, ao mesmo tempo, mais acidentada, e propícia à descoberta de caminhos perigosos, dos quais não poderemos nunca voltar. Contudo, não é a rivalidade entre os dois vigaristas (um das artes de palco, e o outro mais virado apenas para os palcos mais duvidosos... e certas profissões obscuras da vida urbana) que se torna o cerne da obra, mas sim a causa de todos os atritos entre ambos: Marion Cotillard, ou melhor dizendo, Ewa. Porque se tanto Emil como Bruno são representativos de dois tipos de ilusões (o primeiro através da magia dos seus truques repletos de fantasia - símbolo de uma humildade incompatível com a feroz concorrência do mundo dos "states" -, e o segundo pela maneira como espezinha fortemente o sonho americano colorido e fofinho - conseguindo orientar-se muito bem nos meandros gananciosos e duvidosos da vida popular nocturna), a protagonista terá de lidar com os dois mundos para garantir a sua própria sobrevivência, numa sociedade a crescer, mas que nunca deixou de ter a expectativa de um colapso sempre à espreita, apesar de todo o optimismo e da esperança de muitos emigrantes que, tal como Ewa, partiram para os EUA em busca de uma vida melhor, mais justa e mais digna (e com a despreocupação e a excessiva confiança do sistema económico, viu-se o resultado: a aparente prosperidade americana não conseguiu evitar que, no final dos anos 20, década em que se desenrola a acção de «The Immigrant», o país entrasse numa enorme recessão, que provocaria a ruína e a desgraça de uma grande parte da população, entre ricos e pobres).

«A Emigrante» é, assim, um filme de contradições, mas acima de tudo, de suposições e dos medos que rodeiam a (in)glória do sonho americano. Do realizador James Gray (que, tal como nos filmes anteriores, não voltou a criar nenhum consenso, tanto da parte da crítica como do público), chega-nos mais uma história que tem tudo para se assemelhar a tantas outras que conhecemos de fio a pavio... e de facto, é o que acaba por acontecer, à medida que vemos as paixões, a ruína psicológica das personagens e a sede de ascensão num ambiente dominado pela decadência e pelo desespero. Mas porque será o filme tão especial, afinal? A razão é simples: apesar dessa construção narrativa "óbvia", e da familiaridade dos aspectos técnicos (e principalmente, da cinematografia, que tanto nos faz recordar as cenas de flashbacks de «O Padrinho - Parte II»), nunca conseguimos deixar de pensar que este é um trabalho de Gray. E tal como os bons autores, ele parte do "velho" para construir algo novo, que se desdobra na beleza dos planos (como o do desfecho) e das texturas cromáticas, no encadeamento das pequenas tensões da acção, e na utilização e "manipulação" do formidável conjunto de actores que dão vida a estas figuras dúbias e (inacreditavelmente) insólitas. Joaquin Phoenix é já uma peça habitual do Cinema de Gray, acompanhando-o desde «The Yards», drama de família e corrupção, e aqui encontramos algumas semelhanças com interpretações anteriores dessa parceria (sobretudo na fragilidade emocional e na constante luta social e pessoal em que se envolve a sua personagem). Mas talvez seja aqui que encontramos o pináculo da evolução do actor, que contracena com os igualmente magníficos Jeremy Renner e a (esplendorosa) Marion Cotillard. Tal como «The Immigrant» pode ser mesmo o melhor filme de Gray, e aquele que mais consegue aproveitar as influências artísticas (desde os filmes à pintura, ao teatro, à música...) para nos conseguir transportar de volta ao Cinema dito "clássico", sem perder algum sabor de modernidade. Porque se a história é "velha", arcaicas são ainda mais as convulsões que assistimos no filme, sinais de tempos cíclicos que nunca deixarão de afectar a humanidade (e para os quais, apesar dessas repetições sucessivas, parecemos não encontrar nenhuma resolução possível). Mas neste campo, muitos vêem brilhantismo, e outros a mais pura preguiça criativa. Quem terá razão? Optamos por continuar a acompanhar a divertida jornada de reacções que tem recebido o filme, que tanto tem de clássico como de ultra moderno (moderno, isto é, sem ter qualquer marca de CGI), e motivar os espectadores a verem-no, a discutirem-no, a detestá-lo ou/e a idolatrá-lo (aqui, tudo é possível).

Por essas razões dadas pelos detractores, defender a nova obra de Gray (que prossegue um universo dominado pelas sombras do passado e pelos fantasmas de uma cultura sempre em crescimento) parece ser trabalho hercúleo (porque as respostas que temos para lhes dar confirmam, de certa maneira, parte dos negativismos que atribuem à película). Sim, não parece ser tarefa fácil, essa de explicar porque é que «The Immigrant» vale a pena, quando tantas pessoas dizem o contrário. É difícil demonstrar, por esta via que é a da palavra escrita, a genialidade de James Gray, que se encontra tanto no mais pequeno dos pormenores (em que os tais elementos "que nos lembramos de qualquer lado" são utilizados para criar pequenas peças essenciais para a visão única e muito própria do autor - e algumas das cenas-chave do filme, creio, irão perdurar na memória visual de muita gente, em parte por causa desses detalhes) como na subtileza dos diálogos, na simplicidade cruel da câmara e na tristeza poética que invade, como um vírus fatal, o corpo destes homens e mulheres, divididos por credos, etnias, ou pura e simplesmente, diferentes formas (mais ou menos ingénuas) de ver e de aproveitar os recursos oriundos da existência humana. Mas tudo isto é algo que o espectador pode sentir, quer queira ou não, quando se sentar na sala (ou no sofá lá de casa, fica ao seu critério) e quiser contemplar uma obra que carrega um sentido de humanidade que é praticamente universal - e isto não pode ser negado, nem mesmo pelos maiores pessimistas cinéfilos (que tanto se manifestaram sobre a fita). Essas sensações, como é óbvio, não se conseguem passar para um qualquer suporte comunicacional, mas vale a pena dizer que elas existem, e que estão à espera de ser interpretadas, de mil e uma maneiras, por todos os que as quiserem descobrir. Gostos servem para ser discutidos, e não deixa mesmo de ser curiosa a multiplicidade de comentários que «The Immigrant» tem gerado, desde o maior dos desprezos à mais louca das aclamações. E se as opiniões devem ser respeitadas, independentemente do assunto ou da opinação em questão, assumo aqui (contribuindo para o debate que dura ad eternum, e que se tem distanciado cada vez mais da palavra "unanimidade"), para terminar esta dissertação mal construída, uma das minhas maiores certezas contemporâneas (que muitos irão ver com mau olhado): é que este é um dos melhores filmes de 2014.

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PostPosted: Thu Sep 18, 2014 10:17 pm    Post subject: Reply with quote



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Jersey Boys: glórias e derrotas do sonho americano

É a celebração cinematográfica, assinada pelo veterano Clint Eastwood, de uma das bandas americanas mais famosas de sempre. Baseado no musical homónimo de grande sucesso da Broadway que passou por vários outros palcos do mundo, Jersey Boys é uma delícia visual que tem causado opiniões várias e extremas, mas não há dúvida que o filme merece ser descoberto. Estreia esta semana.

Acompanhamos o percurso dos elementos dos The Four Seasons, e todos nos contam, à sua maneira e em monólogos com a câmara, as circunstâncias e problemáticas que rodearam o sucesso e evolução do grupo, começando por Tommy DeVito (Vincent Piazza, da série Boardwalk Empire), um jovem vigarista que dedica parte do seu tempo aos concertos da sua pequena banda. Tommy irá convidar o talentoso Frankie Valli (John Lloyd Young) para se juntar à banda, e mais tarde entrará o compositor Bob Gaudio (Erich Bergen), que será o responsável por muitos dos maiores êxitos dos Seasons. A completar o conjunto está Nick Massi (Michael Lomenda), formando este quarteto uma das bandas mais bem sucedidas da cena musical norte-americana das décadas de 60 e 70.

O regresso de Clint Eastwood à realização faz-se com um filme que, tal como alguns dos anteriores, foi recebido pelo público e pela crítica sem conseguir gerar nenhum consenso. Esta é uma situação que se tem vindo a tornar constante, e alguns dos casos em questão tornam essa tão grande variedade de opiniões num fenómeno interessante (o que se sucedeu com Hereafter – Outra Vida e J. Edgar é disso exemplo). Contudo, talvez Jersey Boys, mesmo que se enquadre numa linha de estilo semelhante a todos os filmes que se sucederam ao magnífico Gran Torino, possa ser visto como um objeto de estudo à parte, diferente dos seus pares.

Isto porque esta adaptação do musical da Broadway é dificilmente associável a outras obras de Eastwood, já que este parece não ser um filme assinado pelo lendário cineasta americano, responsável pelo arrasador western Indomável e pelo conto de crime e relações/perturbações humanas de Mystic River. Apesar de manter alguns elementos fundamentais do aspeto visual e narrativo do seu cinema, como a fotografia de Tom Stern (que colabora com o realizador há mais de dez anos, mais precisamente desde Bloodwork – Dívida de Sangue), os planos, a grandiosa reconstituição de uma época perdida nas memórias de quem a viveu, o relato de uma história tipicamente americana (de sucesso, decadência e crescimento), como outros pequenos mas essenciais detalhes da fita, e que tornaram Eastwood inconfundível no cinema do nosso tempo, Jersey Boys aposta na diferença – e isso pode causar agrado a uns e descontentamento a outros.

É que, no fim de contas, a narrativa aposta num fio condutor convencional. Mas a essa convencionalidade são acrescentados alguns mecanismos que a conseguem tornar mais interessante. É o caso, a título de exemplo, da escolha de múltiplos narradores que contam, na primeira pessoa e na sua perspetiva, os prós e os contras de cada um dos problemas e triunfos com a banda terá que saber lidar (sendo que os quatro membros dos The Four Seasons terão o seu tempinho para desabafarem com a câmara, e aumentarem a proximidade com o espectador). E à forma como se desenvolve a procura pelo sucesso é acrescentada uma interessante simbologia relacionada com o crescimento da música e da sociedade americanas.

E não deixa de ser relevante, e ao mesmo tempo desconcertante, o resultado final que Eastwood faz com estas subtilezas, através de um produto que tem tanto de clássico como de alternativo, ao contar todos os passos de um grupo de músicos e do seu vocalista que ambicionava ser maior do que Sinatra. Há uma forte aposta num tom sarcástico e com uma certa comicidade em relação aos dramas das personagens. Mas em cada cena, a opinião que temos de Frankie, Tommy, Bob e Nick pode ser radicalmente alterada – porque, se Tommy, primeiro narrador do filme (que nos guia pelos meandros de um bairro italo-americano nos primórdios dos anos 50), e que até ao início dos Four Seasons acaba por ser o equilíbrio entre a ingenuidade do protagonista e o mundo de vigarice e egoísmo que o rodeia, já algum tempo depois as coisas mudam completamente, e é ele o desgraçado, dependente da vontade dos seus colegas para suportar os seus atos que acabarão por, em parte, destruir o grupo.

Jersey Boys liga passado e presente quebrando por múltiplas ocasiões a quarta parede e a normal continuação do percurso físico e psicológico das personagens, numa história que reflete as tendências culturais de uma época e os excessos que, infelizmente, não se restringem apenas aos anos 60. E se não conseguimos precisar bem, às tantas, se a história é mais sobre Valli ou sobre os Seasons, também podemos ficar atónitos, ou maravilhados (consoante os gostos de cada um), com a mistura entre o drama e o grande espetáculo hollywoodesco, cheio de glamour, festa e muita música. Ouvimos os êxitos com outra roupagem, mas que se coaduna sempre muito bem com o filme.

O visual de Jersey Boys está impecável, como já é habitual em Clint Eastwood. E o filme, no seu todo – e apesar de algumas incongruências e buracos do argumento -, consegue tornar-se numa peça de brilhante entretenimento, que segue as regras dos clássicos da indústria e que nos faz lembrar como fazem falta mais filmes assim a chegarem às salas. Filmes onde o cuidado técnico e sensorial estão acima de todas as coisas, e apesar das diferentes apreciações que o filme possa gerar, é algo que não consegue ser menosprezado por ninguém.

Sendo um biopic astuto, divertido e, em parte, original, Jersey Boys não interessa somente pelos factos que retrata, como também pelas fragilidades que atribui aos seus heróis (algo também comum a outros protagonistas de Eastwood, que escondem com a atitude um lado mais delicado). Essas figuras tornam-se espectadoras e avaliadoras das suas próprias desgraças, recuando e avançando no tempo e relembrando as vitórias, as derrotas, as feridas e os que ficaram pelo caminho na batalha pelo estrelato, e na luta pela conquista da América. Um exuberante espetáculo emocional e musical, com grandes interpretações, onde a História do rock se confunde com a História de um país, ilustrando todas as armadilhas que isso possa proporcionar.

8.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/09/18/jersey-boys-glorias-e-derrotas-do-sonho-americano/
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PostPosted: Sat Sep 27, 2014 5:31 pm    Post subject: Reply with quote



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Os Gatos Não Têm Vertigens: um terraço com vista para a crise

Quatro anos depois de A Bela e o Paparazzo, o realizador António-Pedro Vasconcelos regressa com uma comédia dramática protagonizada por uma dupla (aparentemente) improvável. Um filme simples, sobre problemas contemporâneos, que não se perde em excessivos simplismos. Uma proposta interessante que pode ser vista, a partir de hoje, nas salas portuguesas.

A história de uma amizade que nos dizem ser improvável – e que de facto é, tendo em conta a conjuntura do país. Um rapaz chamado Jó (João Jesus) é expulso de casa pelo pai no dia em que faz dezoito anos. Sem saber o que fazer, acaba por se refugiar no terraço do prédio onde mora Rosa (Maria do Céu Guerra), uma mulher que tenta enfrentar a vida depois da morte do marido. Criam-se laços entre ambos num país em constantes convulsões, onde as soluções para os problemas são inexistentes, tal como extinta já está declarada a esperança num futuro melhor.

“Quem diria que ia ser amor à primeira vista?” é parte do slogan promocional desta nova comédia dramática (ou será mais um drama com alguns tons de graça?) que nos chega hoje às salas, numa história de António-Pedro Vasconcelos e Tiago R. Santos. Mas tal como o filme nos mostra, e as variadíssimas entrevistas que o realizador tem feito nas últimas semanas, a história que rodeia os dois protagonistas consegue ser um pouco mais do que uma recriação fácil de um cliché cinematográfico que todos nós já vimos antes (não ambicionando, por isso, centrar-se nessa ideia que tanto está a ser publicitada). O trailer fala por si, e os diálogos que nele ouvimos também: esta é uma trama de emoções narrativas, mas acima de tudo um relato humano que tenta captar algum do espírito deste Portugal desesperado.

E é por isso que Os Gatos Não Têm Vertigens consegue ir mais além do que aquilo que parece prometer. As más línguas podem apontar o que quiserem na feitura do filme, na construção da história ou na sua mise-en-scène, mas não há dúvida que, para além de ser um interessante filme “comercial” (conceito do demo que provoca arrepios precipitados em muito boa gente), este é também um exemplo de storytelling com toques mainstream e convencionais – mas um convencionalismo com alguma originalidade e que, sejamos sinceros, consegue ser agradável.

O debate sobre a importância do cinema comercial em Portugal vai longo (no Paleolítico já nem era considerado novidade), monótono e desinteressante, com uma troca aparentemente eterna de galhardetes entre aqueles que o desprezam e os que o consideram a essência do mercado nacional. Não querendo tomar nenhuma posição extrema nessa feroz batalha inescrupulosa, que envolve também o duelo entre “o que pode ser visto” e “o que não pode” (hum, sente-se algo de ditatorial nestas expressões, não é?), talvez seja importante assinalar isto: fossem todos os filmes portugueses mainstream como Os Gatos Não Têm Vertigens e esse tipo de filmes poderia ser feito de outras formas, mais apelativas e conseguidas. Sim, porque este garoto ainda acredita que há uma grande diferença entre o comercialismo de um filme de António-Pedro Vasconcelos e o comercialismo de um Sei Lá.

Não vale a pena confundir coisas, porque as diferenças são notórias: a paixão do realizador pelo cinema é evidente (mas essa cinefilia em pouco auxilia a narrativa – e isso é necessariamente mau?) num filme que não tem rasgos de genialidade (era preciso?) ou uma qualquer grande inovação para o panorama artístico nacional (e isto? Também era indispensável?). Mas tem um ou outro pormenor delicioso que faz com que se destaque. Um deles é a maneira utilizada para mostrar o começo inevitável da narrativa: um notável plano-sequência, que acaba por dar um aspeto muito mais revelador a uma série de situações que são encadeadas da maneira mais previsível possível.

De previsibilidade se fala, também, em todo o resto da história. Serão poucos os que não conseguirão adivinhar, a cada cena, o desenrolar dos acontecimentos que viverão Jó e Rosa (e já que falamos de Rosa, convém não esquecer que a grande surpresa do filme, claro está, é a impecável Maria do Céu Guerra). Mas o entretenimento (outra palavra execravelmente diabólica nesta nossa linda terra) está conseguido de uma forma que nos faz interessar, ainda assim, pela história do princípio ao fim. Nem todas as estreias de cinema podem ser candidatas à maior obra prima do mundo, ou à aclamação da cinefilia. Não, há espaço para filmes com objetivos já usados, e abusados. Mas há que distinguir aqueles que fazem o bom e o mau trabalho dentro destas circunstâncias tão precisas de se fazer cinema.

Se este fosse um produto de rotina da indústria americana, não estariam em questão problemas tão próprios e recorrentes que povoam a nossa opinião pública, e esta crítica teria seguido um fio condutor mais regular. Mas minhas senhoras e meus senhores, teve de ser. Porque entre tanta historinha dos states para fazer chorar as pedras da calçada, a de Os Gatos Não Têm Vertigens consegue ser melhor do que a maioria delas, vencendo na humildade e sentido crítico do seu conjunto. Os propósitos comerciais são idênticos aos dos filmes desse outro país. São totalmente concretizáveis em Portugal? Não. Vão “ajudar” a nossa economia, ou destruir o planeta? Não. Mas podem existir e conseguirem ser o melhor possível, tendo em conta os seus recursos? Com certeza.

Os Gatos Não Têm Vertigens alerta-nos, com sensibilidade, para a crise que tão bem conhecemos, com personagens que, tal como nós, se encontram à beira do abismo, num país que não quer ser para velhos ou novos. Possui “horripilantes” e “indignas” pretensões comerciais. Mas este é um filme com algo para contar. E talvez seja isso o fundamental. Acontece assim, pelo menos, em todos os outros países do mundo.

7.5/10

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PostPosted: Sat Sep 27, 2014 5:39 pm    Post subject: Reply with quote

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(Re)descobrir o cinema de Satyajit Ray no Nimas

É mais uma das grandes iniciativas deste ano cinematográfico: a partir de hoje, todos os dias até 5 de novembro, o Espaço Nimas irá exibir seis filmes do realizador Satyajit Ray. Apostando maioritariamente em filmes menos conhecidos (pelo menos em Portugal) do cineasta indiano, esta é uma oportunidade única para deslumbrar algumas das maiores pérolas de um génio do cinema, em cópias (realmente) digitais e (realmente) restauradas. O Espalha-Factos viu quatro dos filmes que estarão em exibição intercalada durante as próximas semanas.

Elaborar (mais) uma História do cinema e ignorar Satyajit Ray é algo equivalente a desprezar Tolstoi ou Steinbeck numa hipotética História da literatura. Quer se goste ou não, é inegável o contributo do realizador para a evolução e renovação do cinema, e os seus filmes, que parecem ser retratos de uma sociedade restrita (a bengali), acabam por ser mais universais do que aparentam – e intemporais também. Dos quatro filmes que pudemos ver, encontrámos as provas de um cineasta sempre em constante reinvenção criativa, através de diferentes histórias e modos de filmar que espelham as suas preocupações sociais, e a maneira muito peculiar como olhava o mundo e todas as suas “personagens”.

A Grande Cidade (Mahanagar) [1963] – 9/10
Um drama que reflete a mudança do papel da mulher na sociedade, passando do ambiente doméstico para o mundo profissional do “exterior”. É a história de uma família que começa a enfrentar sérios problemas económicos. Por isso, Subrata (Anil Chatterjee) decide, contra todos os conservadorismos do seu pai (e também os dele próprio), fazer com que a sua mulher, Arati (Madhabi Mukherjee, colaboradora recorrente de Ray), comece a trabalhar. A certa altura, a situação inverte-se: o marido perde o emprego, e a esposa torna-se a pessoa que sustenta a casa.
Mas o retrato de costumes não fica por aqui, e Satyajit Ray explora esta situação problemática (e tão presente na atualidade portuguesa) com exemplar precisão técnica e narrativa. Acentuam-se os sinais de mudança de mentalidades que marcam também a alteração da conjuntura de um país, das suas raízes e das suas tradições culturais. Como sempre, há um formidável trabalho de atores, de câmara e de simbologia(s) narrativas e filosóficas.

Charulata [1965] – 10/10
É o filme mais conhecido entre a meia dúzia dos selecionados para serem exibidos no Nimas (e provavelmente em breve noutras salas do país). E é uma obra prima, que já muitos rios de tinta fez correr, e sobre a qual pouco ou nada há para acrescentar. Tem uma das mais belas histórias de amor do cinema, porque esta não chega, propriamente, a evoluir para um romance propriamente dito. Centramo-nos na personagem que dá nome ao filme (interpretada por Mukherjee), mulher solitária que, quando o marido não está por casa, entretém-se a vaguear pelos quartos, a investigar as estantes cheias de livros, ou a bisbilhotar todos aqueles que passam por ali, através dos seus binóculos. Mas quando um familiar do marido chega, que partilha o seu amor pela literatura, ela começa a apaixonar-se. As consequências não são previsíveis, nem acabam por se suceder quando estamos à espera.
É preciso dizer que Satyajit Ray não localiza a história numa época diferente da contemporânea por um simples acaso, nem que este não é só um filme de situações narrativas. É aliás, um dos filmes mais inventivos do cineasta, quer na utilização de planos ou de técnicas de filmar (a maneira como a câmara acompanha delicadamente a ação é fenomenal), quer na posição dos atores, nas suas entradas em “cena” e nas representações que fazem, mais presentes nos pequenos silêncios do que nos muitos diálogos da história. Um filme detalhado, milimetricamente pensado e executado, cuja força arrasadora e emocional continua intocável.

O Santo (Mahapurush) [1965] – 8/10
É o filme mais curto entre os que vão passar no Nimas (tem pouco mais de uma hora), mas é uma pérola igualmente deliciosa: trata-se de uma comédia satírica sobre um charlatão que se faz passar por santo (Charuprakash Ghosh). Por isso, esse vigarista torna-se um messias para as multidões que correm para o ver e para receberem os seus preciosos pensamentos e filosofias de vida.
Satyajit Ray desenvolve, assim, a premissa desta farsa através de alguns exemplos dos “maravilhosos” dotes curativos e espirituais dessa figura divina (cenas hilariantes e completamente inesperadas, portanto), bem como do plano que alguns “hereges” pretendem executar, para desmascarar o impostor. E mesmo com dimensões reduzidas, O Santo revela-se um filme exemplar graças ao apuro visual e técnico do seu realizador, bem como pela dimensão ritmada da sua história, pelas boas interpretações dos seus atores, e pelo retrato de uma sociedade em desespero e em busca de uma (qualquer) salvação.

O Cobarde (Kapurush) [1965] – 8.5/10
Mais uma (ótima) surpresa, num filme que em pouco se assemelha aos outros três que foram aqui mencionados: é uma pequena história, com o seu quê de melodramática e, até, trágica, sobre um argumentista de cinema (Soumitra Chatterjee) que reencontra a ex-namorada (mais uma vez a excecional Madhabi Mukherjee), no local mais improvável possível. E a construção dos acontecimentos é incrível: Satyajit Ray não segue o caminho mais fácil e, por isso, não tenta reconciliar as duas personagens, cujas relações foram inteiramente cortadas e cujo clima de tensão e desprezo se mantém, passado tanto tempo após a separação – algo que notamos nos silêncios das interações entre ambos e nas reações frias da mulher às dúvidas do protagonista.
Não é um romance, mas um anti-romance, em que o passado e o presente se confrontam para decidir o destino e as decisões da narrativa. Simples, mas sedutor e sensacional, é mais um exemplo do grande realismo e criatividade do realizador, quer na composição cinematográfica e artística da obra, como na “manipulação” do enorme talento do grupo de atores que interpreta, com brilhantismo, o conjunto das figuras que perfazem este jogo de (ilusórias) emoções.


In http://www.espalhafactos.com/2014/09/25/redescobrir-o-cinema-de-satyajit-ray-no-nimas/
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PostPosted: Fri Oct 10, 2014 7:08 pm    Post subject: Reply with quote



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Amar, Beber e Cantar: Alain Resnais e o teatro da vida

O último filme do realizador de Hiroshima, Meu Amor e O Último Ano em Marienbad chega finalmente a Portugal. Amar, Beber e Cantar é uma interessante e revigorante comédia dramática, sobre seis personagens à procura de si mesmas e de uma razão para todos os problemas e enganos de que serão vítimas nesta história.

Seis atores interpretam os membros de três casais, que se veem condicionadas por um sétimo, amigo de todos eles, que os espectadores nunca irão conhecer fisicamente (apenas poderemos saber de quem se trata graças a tudo aquilo que as personagens contam sobre a sua vida, os seus segredos e os seus dilemas no presente). É assim que se desenrolam todas as peripécias de Amar, Beber e Cantar, onde vemos as alegrias e mágoas das personagens, os momentos de rutura de cada um dos casais e os recorrentes ensaios para uma peça, numa narrativa cheia de risos, lágrimas e algum whisky.

Se Alain Resnais é um cineasta das relações humanas (filmadas, claro, sempre de uma maneira muito peculiar), este seu derradeiro trabalho demonstra isso mesmo, através de uma perspetiva não muito recorrente (pelo menos, no cinema contemporâneo): se a narrativa já é por si só baseada numa peça de teatro, e se nessa narrativa está incluída uma sub-plot sobre a preparação de uma outra peça de teatro (uma peça dentro da peça), o filme acrescenta uma outra fórmula para aumentar e fortalecer ainda mais o seu lado dramatúrgico: a construção aparentemente cinematográfica dos elementos figurativos e cénicos (como os cenários) é, no seu todo, uma recuperação dos valores do teatro filmado, e de certas formas de se usar a câmara que imperavam nos tempos do mudo (os planos gerais em sequência, muitos deles fixos).

Mas Amar, Beber e Cantar (adaptação de uma peça de Alan Ayckbourn, autor recorrente na obra de Resnais) não se reduz a essa ideia simplista, e que hoje já foi usada e abusada até à exaustão, de transformar a técnica do cinema em teatro – mas aqui, felizmente, encontramos uma boa utilização desse tipo de artifício, que despreza o elemento de ilusão do cinema e proporciona-lhe uma dimensão estética não menos apelativa. Aqui o centro da questão está nos atores – porque são eles que verdadeiramente importam, e não as decorações e ambientes “falsos” que os rodeiam, em cada espaço em que se movem, comovem e se auto-enganam.

São atores que levam as suas personagens “a sério” num ambiente que tem tudo para ser visto como risível, inocente e colorido. Mas não é isso que acontece, porque os três casais do filme têm muito mais para nos dizer e transmitir, nesta sucessão simples de cenas de romance, intriga e confusão, do que muito filme agitado, movimentado e “realista” que por aí anda a estrear nas nossas salas. Em Amar, Beber e Cantar, o que importa fundamentalmente não é a construção do artifício, ou a desconstrução da ideologia imaginária do cinema, mas a capacidade dos atores em levar o filme, praticamente, “às costas” – aproveitando todas as condicionantes técnicas que encontraram nesta produção.

E também porque, para além dos atores, é na simplicidade das questões com que se debate este grupo de personagens que podemos encontrar uma representação minimalista das problemáticas que assaltam a grande peça que é a da existência humana, que se elabora num palco e que nunca consegue ser ensaiada. E Alain Resnais pode não assinar aqui um dos seus melhores filmes (porque aqui a conjugação do teatro filmado com o filme propriamente dito não resulta sempre bem), mas não deixa de ser curioso como, para seu último trabalho como realizador, deixa aos seus espectadores uma reflexão sobre a vida e a morte – e o que de mais cómico e trágico há em cada uma delas.

Reflexão essa que acentua, através de um sétimo personagem de que todos falam (mas que o público nunca conseguirá ver mesmo quem é), os conflitos e os choques que se instalam nas relações humanas, devido a variados mal entendidos e confusões manipulatórias. E assim, Amar, Beber e Cantar desenvolve-se, aos olhos de quem o for ver, como um filme cómico e delicado, mas acertado e inteligente, sobre o cinema, o teatro, o cinema no teatro e o teatro no cinema… e tantas outras coisas mais.

Alain Resnais deixou-nos este ano, e para a posteridade fica uma carreira notável, multifacetada e única na História do cinema. Este seu canto de cisne pode não ser o filme que faça mais jus ao seu talento e imaginação cinéfilas, mas pode ser um bom ponto de partida para começar a conhecer a sua filmografia, e para as novas gerações o poderem finalmente descobrir e a alguns dos seus temas essenciais.

7.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/10/09/amar-beber-e-cantar-alan-resnais-e-o-teatro-da-vida/
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O Caminho Entre o Bem e o Mal: um crime, uma investigação e Liam Neeson

O mais recente filme de ação de Liam Neeson consegue ser mais interessante do que todos os outros que o ator fez até à data, mas não consegue suplantar a mediania da história que carrega. Ainda assim, vale por ter alguns bons momentos de entretenimento, e por ser mais suportável do que se pode esperar.

A narrativa segue um fio condutor básico e recorrente de diversos filmes policiais norte-americanos clássicos e contemporâneos, em que Liam Nesson assume o papel do protagonista. É um antigo polícia de Los Angeles com um passado turbulento e traumas que continuam a atormentá-lo no presente, ao tentar ganhar a vida como detetive privado. Pela sua reputação, é contratado para descobrir o paradeiro da mulher de um traficante de droga, o que o leva a uma viagem que poderá não ter regresso, num crime que envolverá muito mais do que uma simples vítima.

Baseado no livro de Lawrence Block, O Caminho Entre o Bem e o Mal é mais um filme de ação protagonizado por Liam Neeson. Diga-se “mais um”, porque parece que tem sido este o género em que o ator tem apostado mais nos últimos anos, com propostas que, na sua totalidade, e até a este filme, se tinham revelado sempre como infelizes, execráveis e desprezíveis (com alguns casos mais degradantes que outros – alguém viu esse festival insípido e cansativo de clichés que deu pelo nome de Sem Identidade?).

Por isso, este novo filme de Neeson, realizado por Scott Frank (argumentista de Relatório Minoritário e Romance Perigoso, pelo qual foi nomeado para o Oscar na dita categoria), não foge, em parte, às regras impostas pelas suas anteriores incursões nas fitas de ação, que tornaram este novo interesse do ator numa vaga a que os espectadores já se habituaram, e que podem reencontrar de tempos a tempos: a sua personagem é um anti-herói duro (que está pronto a partir para a pancadaria), uma história linear que se perde em lugares comuns, e outros ingredientes. Não nos esqueçamos das cenas de luta, de “grandes plot twists” que, na realidade, não o são, e claro, da constante intenção de Neeson em tornar-se no novo ícone de ação, para a pequenada do século XXI.

Mas, e ao contrário dessa fornada de títulos anteriores que protagonizou, este consegue, pelo menos, captar a atenção do espectador. Apesar da mediania do seu argumento (e da repetição de fórmulas elementares, como a do prólogo inserido propositadamente na trama para nos ajudar a compreender a complexíssima personalidade do protagonista), há que louvar alguma perspicácia no lado da realização (isto, pelo menos, em algumas das primeiras cenas do filme, que mais tarde se deixa levar por uma formatação técnica banal) e no aspeto visual, que utiliza uma interessante cinematografia que acompanha a ação com um fulgor que a torna mais apelativa.

Há também, por conseguinte, que destacar, neste pequeno entusiasmo que esta obra desinspirada proporciona, a importância das interpretações, que sustentam o interesse que conseguimos manter por uma narrativa polvilhada de ideias que, infelizmente, não possuem grande criatividade. Mas essas ideias conseguem, até, encaixar em certos momentos, graças aos atores e à química entre Liam Neeson e Astro (antigo concorrente do programa X Factor que, aqui, mostra algum talento interpretativo), como também às maneiras não tão óbvias que os outros intérpretes utilizam para desenvolver as suas personagens desequilibradas.

Mas é Neeson que sai mais valorizado, num papel que, não sendo um dos maiores desempenhos da sua carreira, demonstra a boa forma do ator na atualidade, que poderia ser aproveitada para desafios que se desenvolvessem noutros níveis, e que não se deixassem ficar pelo simples debitar de frases heroicas e pelas maiores sequências de tiroteio, perseguições, e outros que tais. E mesmo possuindo tudo isso, O Caminho Entre o Bem e o Mal acaba por ter mais alguma coisa, que o faz ser, na sua mais pura vulgaridade, o melhor filme protagonizado por Liam Neeson dos últimos anos (entenda-se por “últimos anos” um espaço temporal assinalável).

Por isto tudo aguentamos o filme de Scott Frank com outra perspetiva: pelas tentativas (falhadas) de se inovar uma construção cinematográfica desgastada, pelo ritmo viciante que nos conduz essa história pouco criativa, e acima de tudo, pela presença maior de Liam Neeson, que abandona, em parte, o papel-cliché que ele próprio criou com essa série (interminável) de filmes pré-fabricados dentro dos mesmos conceitos de ação, thriller e coisas semelhantes. Poderia ser melhor, mas por outro lado, O Caminho Entre o Bem e o Mal perderia mais se nem tivesse sequer essa agradabilidade suficiente e essa empatia que nos faz ficar interessados no percurso das personagens até ao surgimento dos créditos finais. Um filme mediano reverente e futuramente descartável, mas que, ao menos, cumpre pela positiva essa sua mediania.

6.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/10/09/o-caminho-entre-o-bem-e-o-mal-um-crime-uma-investigacao-e-liam-neeson/
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O Senhor Babadook: onde é que anda o (verdadeiro) terror?

Passou pelo MotelX e agora chega ao circuito das salas, numa distribuição da Alambique: O Senhor Babadook é uma interessante investida australiana no cinema de terror mas que, apesar de ter algumas ideias engenhosas, acaba por sair vencida pela força das convenções que rodeiam a sua história.

A sinopse é simples, e soa a muitas outras que já vimos antes: mãe e filho vivem sozinhos numa casa, e o pai morreu há sete anos e isso continua a causar traumas no presente. A mãe lê ao filho um conto infantil todas as noites, e de repente surge um livro misterioso (que nunca ninguém viu antes, e que só aparece neste momento porque dá jeito) chamado “O Senhor Babadook“, que o pequeno pede à progenitora que leia. Mas é um livro amaldiçoado, que ameaça criar graves problemas a esta pequena família, e que não os parará de perseguir até ao último momento.

Para uma história que se assume como um autêntico reciclar de estereótipos dos filmes de terror (há aqui tanto de O Exorcista como de The Shining), a premissa de O Senhor Babadook nem está construída de forma repetitiva e insuportável – e por isso é que o filme consegue ser verdadeiramente interessante em quase todo o seu conjunto. Há que apreciar, também, um vigoroso trabalho de câmara e o bom trabalho dos atores.

Mas noves fora, e voltamos ao mesmo de sempre, que por vezes vemos com agrado, e que em outras, só nos consegue provocar mais risos involuntários do que tensão, corte de respiração, pânico, etc. Caminhando para o inevitável (?) happy ending, dando voltas em pequenas histórias que nos desviam a atenção do primordial (e para tentarem que nos esqueçamos que o centro da questão não faz muito sentido), e não esquecendo a habitual confusão entre o que é assustador e o que é repugnante (nos nossos dias ainda alguém acha o gore como algo realmente interessante?), O Senhor Babadook desenvolve-se numa espiral de clichés – mas há que reconhecer que existem alguns que estão mais bem trabalhados do que outros (a construção psicológica da personagem da criança, por exemplo).

São muitos os que procuram constantemente uma “salvação” para cada género de cinema na atualidade, comparando, injustamente, obras modernas com qualquer referência clássica a que se lhe possa associar, originando, por vezes, um manancial de disparates que são ótimos para matar qualquer filme que queira subsistir como peça individual. Com a reação inicial da crítica estrangeira a O Senhor Babadook assistimos, em parte, à ocorrência desse “fenómeno”, mas felizmente, nem tudo é negativo neste filme. Porque, se não é o título que irá salvar o terror da pouca credibilidade que ainda tem, este consegue ser, pelo menos, um exemplo do género que funciona melhor do que a maioria dos seus pares.

E isso é de louvar porque, entre tantos filmes que se aproveitam de grandes referências do horror para as trabalharem de uma forma que agrade às gerações mais recentes (que não sabem que estão a ver apenas um espécime que copia uma ou várias grandes obras), O Senhor Babadook proporciona uma imagem que, ao menos, é própria, e que não conseguiremos deixar de associar ao seu estranho e grotesco imaginário. Não se podem esquecer a química desconcertante e atribulada entre mãe e filho, apesar de todas as incongruências da narrativa e do drama de telenovela que os circunda.

O Senhor Babadook não prima, portanto, pela originalidade do argumento, nem pela seleção dos elementos figurativos e cénicos utilizados para contar esta história macabra – e que em (raras) ocasiões, nos consegue tirar a respiração. Mas vale pela pequena diferenciação que possui no panorama atual do terror, dominado por sequelas, remakes e reboots constantes. Poderia ser melhor, mas a hora e meia de filme também poderia, por outro lado, ter sido muito menos proveitosa. Mas as fórmulas para criar sustos poderiam ser outras – ou seja, daquelas que ainda conseguem… assustar!

6.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/10/16/o-senhor-babadook-onde-e-que-anda-o-verdadeiro-terror/
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PostPosted: Sat Oct 18, 2014 8:14 pm    Post subject: Reply with quote



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Frank: viver o sonho da música com um génio excêntrico

E sem que nada o fizesse prever, no meio de tanta vulgaridade, chega esta semana às salas mais um dos grandes filmes do ano: Frank não é uma história normal sobre o percurso de uma banda moderna, mas sim um olhar singular, atento, distante do “mundo real” e colado ao poder dos media e das redes sociais que condicionam as relações humanas.

Realizado por Lenny Abrahamson, Frank é uma comédia excêntrica sobre um génio megalómano e a extravagante banda que lidera. Com alguma base numa história verídica (ou pelo menos, num personagem verídico, o de Frank Sidebottom, a alminha interpretada pelo comediante e músico Chris Sievey), o filme desenvolve-se através da perspetiva de Jon, um jovem aspirante a músico profissional (Domnhall Gleeson), que tenta levar o grupo de músicos a outros sonhos e grandezas artísticas, com o auxílio das redes sociais. As consequências é que não serão as melhores, ou pelo menos, as mais previsíveis…

Frank é um filme que possui uma construção narrativa que se pode designar de normal (mas não de “vulgar”, ou “banal”): começa com a acidental descoberta da banda pelo jovem protagonista do filme, e a (aparente) ascensão a que este sujeita o seu vocalista e os seus colegas. Talvez Jon seja mais movido pelas suas ambições pessoais do que pelo interesse pelo bem comum, em ajudar a banda a sair da discrição em que está submetida. De facto, é isso que faz com que a sua personagem seja tão inocente e, ao mesmo tempo, tão humana – no pior sentido de humanidade possível, como também no melhor, em certas ocasiões

Mas não há dúvida que a sua visão do mundo artístico irá mudar completamente – e talvez aos espectadores se suceda o mesmo (esperemos!) – quando começar a lidar mais de perto com estes artistas peculiares, fechados numa redoma que exclui toda a sociedade “formatada” e “comercial” que os pretende “abater”, e por isso, são detratores dos media digitais que o aprendiz tanto utiliza para, sorrateiramente, dar a conhecer ao mundo aquela estranha banda (e mais ainda, para se dar a conhecer a si próprio, um zé-ninguém maior do que todos os outros zés-ninguém do filme).

Porque fitas há muitas sobre os percursos acidentados de bandas mais ou menos ficcionais, ou mais ou menos inspiradas em casos verídicos (cuja veracidade, ou pelo menos, identificação com a realidade dos factos, todos conseguem facilmente descobrir). Podemos recordar o título paradigmático Quase Famosos de Cameron Crowe, o mockumentary This is Spinal Tap de Rob Reiner, ou ainda, o recentíssimo Jersey Boys, realizado por Clint Eastwood, como casos emblemáticos de uma certa ligação do cinema com a música, aproveitando o melhor dos dois “mundos” para explorar visões de pendor narrativo que marcam pelo insólito dos seus conceitos e das suas reinvenções.

Contudo, Frank difere destes e de outros exemplos pela sua abordagem mais simples, mas não menos relevante, exaustiva e inesperada, dos meandros da cultura, das interações dos indivíduos em sociedade, do peso/preço da fama, e ainda daquilo que há de mais “rudimentar” (os valores ou a falta deles) em toda a nossa espécie – e que por mais que as redes sociais tentem apagar (através de uma ficcionalização virtual que nos é constantemente imposta), nunca deixará de existir. E é por isso que o filme ganha, e é por isso que, apesar de ter sido recebido de uma forma pouco consensual pela crítica e público norte americanos, não consegue deixar ninguém indiferente, apesar dos diferentes efeitos que possa assumir.

Já que não é todos os dias que vemos um filme sobre um criador artístico fechado no seu próprio mundinho (que, digamos, está mesmo encerrado dentro da sua cabeça, completamente tapada por uma outra – e a razão de tal facto nunca será explicada, e não precisamos sequer de a saber) que recria ideias velhas com um novo fulgor. Porque mesmo que o final seja inevitável, e o rumo dos acontecimentos também, ainda apanhamos algumas interessantes reformulações de mecanismos clássicos que “já têm barbas”, além que encontramos uma ou outra surpresa de argumento de quando em vez (como a maneira que é utilizada para jogar com a questão das redes sociais, e da falsa popularidade que as mesmas proporcionam).

Assim, Frank é uma reflexão melancólica, mas que nunca deixa de ser divertida e, até, bizarra e encantadora, sobre as simplicidades da modernidade cada vez mais complexa (ou pelo menos, com pretensões de o ser), e a sua ligação com a imaginação e a criatividade que são impostas à arte – ou pelo menos, a todos aqueles que desejam criar algo de novo, que consiga despertar novas mentalidades e abrir as portas para a descoberta de novos horizontes sociais, culturais, e muitas coisas mais. E não nos esqueçamos de salientar o novo triunfo de Michael Fassbender, e do menos conhecido mas não menos talentoso Domnhall Gleeson, dois atores que não têm medo de arriscar atingir outros públicos e outros feitos brilhantes. Até porque tiveram a sorte de entrar num filme que é todo ele uma peça de brilhantismo cinéfilo e emocional.

9/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/10/16/frank-viver-o-sonho-da-musica-com-um-genio-excentrico/
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PostPosted: Sat Oct 18, 2014 9:15 pm    Post subject: Reply with quote



Um falso documentário sobre as rodagens de um filme: é o que François Truffaut constrói (e interpreta) em «A Noite Americana», interessante mosaico de personagens que interagem umas com as outras, numa série de vinhetas desconcertantes que nos mostram a multiplicidade de problemas, afectos e confusões que rodeiam os bastidores de uma produção de estúdio, “artificial” e ridiculamente dispendiosa e luxuosa, que contraria totalmente as intenções da Nova Vaga da qual o cineasta foi um dos protagonistas. Narrativa com diversas preocupações, tanto estéticas quanto filosóficas, é também uma crítica satírica ao lado industrial do Cinema, que se eleva graças a uma série de magníficos desempenhos e a um sentido cinéfilo apurado e pelas variadas experimentações técnicas que são feitas (algumas mais bem sucedidas do que outras). É talvez o único filme que consegue captar realmente o espírito e o stress de um ambiente típico (e atribulado) deste tipo de filmagens.

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PostPosted: Sun Nov 16, 2014 12:33 pm    Post subject: Reply with quote



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John Wick: pancadaria com estilo

Quantos são, quantos são? Venham eles, que Keanu Reeves não tem medo de ninguém – porque todos os outros é que têm de tremer quando ele chega, com a sua sede implacável de vingança. John Wick é uma agradável surpresa dentro dos filmes de ação que têm chegado aos cinemas, porque deve ser um dos raríssimos exemplos do género que consegue ter algum interesse para o espectador, não se resumindo aos efeitos especiais e à banalidade mais corriqueira deste tipo de histórias.

Um filme que gira em torno de uma vendetta à moda antiga: John Wick perdeu a mulher que amava, e que o fez mudar de vida e largar o passado como assassino profissional. O único elo de ligação que mantém com a sua amada está numa cadela, que a mesma lhe deixou para o protagonista não se sentir tão sozinho e perdido. Mas depois, um gangue de criminosos assalta a sua casa, rouba o seu carro e destrói a única lembrança que poderia ter da mulher. Aí, John Wick vai querer vingança, pura e dura. E quando perceber que um dos envolvidos naquele assalto implacável é o filho do seu antigo patrão, irá iniciar uma luta sem precedentes para ajustar todas as contas.

É um filme de ação? Sim, mas de uma ação cheia de adrenalina e com alguma minúcia na sua preparação, algo que não conseguimos encontrar regularmente nesta nossa modernidade, dominada por efeitos especiais utilizados para tudo e para nada. E ao contrário da maioria dos seus congéneres, John Wick cumpre as premissas que qualquer filme de ação deveria ter como palavra de ordem: entretenimento exequível e agradável, bem ritmado e executado, onde os clichés misturam-se, e bem, com o estilo da personagem (e sim, Keanu Reeves ainda consegue ser o patrão!). O resultado? Uma história que passa depressa, que não nos faz levar as mãos à cabeça, e que nos entretém, à séria, durante pouco mais de 100 minutos.

Que se digam todas as barbaridades e que se atirem todos os preconceitos (injustos, na maioria) contra os filmes de ação, mas queremos acreditar que há uma linha que separa as andanças de filmes-chiclete como Os Mercenários, e as características de um filme como este – que, não sendo alguma coisa de outro mundo, que irá alterar a Humanidade ou a perceção que temos do cinema, não nos faz, também, pelo contrário, suplicar por misericórdia, contrariamente às experiências levadas a cabo pela trupe de veteranos dos filmes “machos” dos anos oitenta liderada por Stallone. John Wick não prima pela originalidade, mas pela eficácia atribuída ao seu conceito ultra-conhecido – e aí está o seu ponto mais forte, tal como a maneira utilizada para conduzir a história, fora de mecanismos mais risíveis a que estamos habituados a encontrar em histórias deste calibre.

Uma aposta muito interessante (e improvável) do filme está no seu lado cómico, assente em cenas completamente imprevisíveis, que dão à inverosimilhança da maioria dos momentos da história um outro fulgor. E talvez seja isto que se possa designar como bom entretenimento (apesar de, por esta altura, a palavra “entretenimento” ser, para muitos, um sinónimo de maldições satânicas). Apesar de não ser um filme que se vê para, rapidamente, se esquecer (há um ou outro momento verdadeiramente memorável no filme – e aqui tem de se voltar a congratular Keanu Reeves, como também alguns dos atores secundários, como Willem Dafoe), esse acaba por ser o seu objetivo. Mas o tempo que investimos a ver John Wick acaba por ser, até, bem recompensado – e, como sugestão de agradável divertimento cinematográfico, sai completamente vencedor.

Porque para se gostar do cinema mais complexo, é preciso, também, visitar este “outro” cinema, mais leve (em filosofia, não em barulho e efeitos sonoros), e não é nenhum crime ver-se uma história com as dimensões dramáticas e exageradamente violentas de John Wick. O espectador poderia sair muito mais defraudado com outras fitas do mesmo formato, que não tivessem, sequer, o estilo e o charme que emana este filme – e que, parecendo que não, é algo que acaba por fazer nele toda a diferença, tal como para o seu conteúdo, as suas personagens, e as suas dimensões psicológicas relativas.

Não sendo mais um exemplo do cinema de ação mais formatado ou desinspirado, John Wick consegue ser, ao mesmo tempo (e apesar das convenções da sua narrativa e da sua produção), uma singela homenagem aos elementos mais interessantes desses filmes, e uma curiosa investida no meio, apostando menos no CGI e mais em elaboradas coreografias, e em diálogos que não são nada dispensáveis. Keanu Reeves ressuscita num dos papéis mais revigorantes e mais cool da sua carreira (e o único que conseguiu suscitar algum interesse, desde a saga Matrix) e o público, pensamos nós, poderia pedir mais filmes assim – que possuam entretenimento, mas que também não usem esse entretenimento de uma maneira mais desleixada, para propiciar uma construção que tem como único objetivo tornar-se instantaneamente descartável.

7.5/10


In http://www.espalhafactos.com/2014/11/13/john-wick-pancadaria-com-estilo/
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